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ESPECIAL: Ilha italiana de Lampedusa vira cemitérios de barcos – Por Leandro Colon e Avener Prado


O italiano Francesco Tuccio, de 48 anos, é figura popular na ilha italiana de Lampedusa, no sul da Sicília. Foi o carpinteiro que fez as cruzes, o báculo e o altar usados pelo papa Francisco em visita ao local em 8 de julho de 2013.
Barcos abandonados em Lampedusa
A pequena ilha de 6.000 habitantes e 20 km² foi escolhida para a primeira viagem do papa fora de Roma por ser símbolo da imigração clandestina do continente africano para a Europa pelo mar Mediterrâneo.

 

Tuccio usa pedaços de barcos de imigrantes para montar as cruzes. Diz querer chamar a atenção para um drama que em 2014 atingiu o recorde de mais de 163 mil resgatados no mar.

A ideia surgiu em abril de 2009, quando um terremoto deixou mais de 300 mortos na cidade medieval italiana de Áquila.

“Na mesma época, um barco de imigrantes vindo da Líbia naufragou com 200 pessoas, e ninguém falava disso, só do terremoto. Decidi então protestar e comecei a montá-las”, conta.

Uma das cruzes foi entregue ao Vaticano com 60 kg, 2,80 m de altura e 1,50 m de comprimento. Foi abençoada pelo papa para seguir em peregrinação pelas paróquias italianas. Quem quiser pode encomendar cruzes pequenas, mas aí o carpinteiro cobra a mão de obra: de 5 a 15 euros, dependendo do tamanho da cruz.

Não é nada difícil encontrar matéria-prima. Palco de constantes desembarques de imigrantes na década, Lampedusa virou “cemitério” de barcos usados por cidadãos de países como Somália, Nigéria, Eritreia, Mali e Senegal.

No dia em que a reportagem visitou a ilha, no fim de novembro, tratores retiravam parte deles para desobstruir um terreno ao lado do porto.

Impressiona a precariedade das embarcações, pequenas e sem condições de segurança para uma travessia perigosa pelo Mediterrâneo –não à toa, as que não naufragam geralmente são resgatadas no meio do caminho por navios italianos.

A 113 km da Tunísia, Lampedusa está mais perto do continente africano do que a Itália (a Sicília é o território italiano mais próximo, a cerca de 200 km).

Entre 2009 e 2011, o fluxo de imigração fora reduzido drasticamente após acordo entre a Itália, do então primeiro-ministro Silvio Berlusconi, e a Líbia, na época sob o ditador Muammar Gaddafi.

Pelo trato, a Líbia, principal ponto de partida dos barcos, poderia monitorá-los e detê-los pelas águas dos dois países, enquanto a Itália teria mais autonomia para devolvê-los.

Deu resultado: o número caiu de 31 mil imigrantes em 2008 para 12 mil em 2010.

Mas a derrocada de Gaddafi, em 2011 e a saída de Berlusconi do governo, somadas aos distúrbios da “Primavera Árabe” em países vizinhos naquele ano, aceleraram novamente o fluxo, sobretudo para Lampedusa.

Em outubro de 2013, três meses depois de receber a visita do papa Francisco, a região viveu uma tragédia: 366 pessoas morreram afogadas a 1km de sua costa.

Desde então, a ilha que tinha a pesca e o turismo de classe média como chamarizes tenta minimizar a imagem de rota de imigração.

Sob pressão da população, que entre 2011 e 2013 sofreu com o impacto para a imagem da ilha da onda de imigrantes, o governo tem evitado desembarcar na ilha os navios com resgatados no Mediterrâneo. O destino agora são cidades da Sicília.

Apesar do esforço, algo dificilmente será apagado: os túmulos de cerca de 50 imigrantes enterrados no cemitério de Lampedusa que morreram na rota para a Europa.

Um deles conta uma história: ali está o corpo da nigeriana Ester Ada, resgatado em 2009 num barco com 153 pessoas. Ela tinha apenas 18 anos. (Leandro Colon e Avener Prado – Folha de S. Paulo)

 

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