Catolicismo Romano

O Sacerdócio crucificado

Por Padre Jerônimo Brow. Lá vem o pároco, descendo as escadas da casa paroquial revestido com sua surrada batina. Adentra na sacristia e se ajoelha um tempo diante do Crucifixo, rezando as orações de preparação para a Santa Missa. Em seguida, levanta-se, veste cada um dos paramentos rezando as devidas orações. Faz piedosamente a fórmula de intenção e dirige-se para onde já estão os coroinhas.

Ali, encontra os coroinhas já formados em procissão tendo à frente a Cruz Processional ladeada por dois castiçais. Outros dois acólitos se aproximam do padre, um com a naveta, outro com o turíbulo. O padre por três vezes deita o incenso sobre o turíbulo fumegante e abençoa o incenso queimando.

O turiferário posiciona-se em frente à Cruz.

E nesse momento, começa:

“Bom dia, gente! Pode ser melhor, bom dia! Sejam todos e todas bem-vindos e bem-vindas para a Eucaristia! Nosso tema de hoje…”

É o comentarista da Missa, uma espécie de Galvão Bueno litúrgico.

Ele conclui sua primeira de muitas intervenções dizendo: “E agora, fiquemos de pé e acolhamos o presidente da celebração e sua equipe com o nosso canto de entrada.”

O padre sente mais uma vez um calafrio, particularmente com a expressão “presidente”, mas ele sabe que o pior ainda está por vir…

Escuta por três vezes os paus da bateria batendo um no outro, e começa a música: “Hoje é dia de celebração, Aleluia… Hoje é dia de festa…” Guitarra, piano, bateria, panderola… E um dos cantores: “Nas palmas!”

O padre entra, de cabeça baixa, olhando para o chão para não parecer que é o Silvio Santos que está entrando. Incensa o altar mais rápido do que gostaria, na esperança de que essa primeira estação de sua via sacra particular diária acabe.

Faz o Sinal da Cruz com a saudação litúrgica. Quando dá uma breve pausa para respirar, volta o comentarista: “Ato Penitencial. Momento de pedir perdão pelas faltas da semana etc”. Após o “comentário”, o padre lê no missal alguma fórmula introdutória que prevê silêncio em seguida. E nesse tempo de silêncio começa a banda com alguma música onde talvez até se diga “Kyrie, eleison!”, mas num tal ritmo, com tal letra, com tais instrumentos que simplesmente não combinam com essa milenar expressão da Igreja, um dos últimos resquícios do tempo em que o grego era a língua litúrgica, e que foi mantido para que na Santa Missa, renovação do Calvário, estivessem presentes as três línguas que lá estavam: hebraico, grego e latim…

Após o Ato Penitencial, mais uma estação para o Padre. A bateria até estava mais calma no ato penitencial, mas alguém ensinou que agora é “pra botar pra quebrar”, começa a banda:

“Glória a Deus nas alturas”, com uma espécie de rubricas braçais: nesse momento se levanta os braços estilo “olê, olá”, depois se bate palma a cada segundo, após, uma palma a cada três segundos e, no final, duas palmas por segundo…

Oremos, diz o padre, pensando que finalmente terá um momento de silêncio. E o comentarista entra: “Momento de silêncio, de reflexão para que cada um ponha a sua intenção para essa Eucaristia.”

E assim continuará a luta, por mais ou menos uma hora.

O padre já não participa mais das reuniões da “pastoral da liturgia”. Sim, ele está magoado, porque ao explicar que não precisava de tantas coisas e dissolver a equipe, eles foram à Comissão Litúrgica do Vicariato que denunciou o padre ao Bispo e o Bispo ordenou que a equipe voltasse, porque estamos numa “igreja ministerial”. E o pároco teve que voltar atrás, de modo que para a pastoral litúrgica cada comentário, cada procissão de bíblia, de ofertas e de legumes, ainda tem um sabor de vitória.

O padre não questionou a ordem do Bispo e nem usou da sua autoridade de pároco, porque considerou um milagre estar na única paróquia – afastada do centro da diocese – onde não havia diácono permanente de bigode, acólito, coroinha fêmea… E conseguiu – segundo e maior milagre – convencer os “ministros da eucaristia” a deixá-lo distribuir a comunhão sozinho para o povo, dizendo que, se houvesse muita gente, os chamaria.

O padre sabe que há um problema, mas talvez tenha medo de pensar profundamente sobre ele. O problema, resumindo ao máximo, é que ele quer rezar o Santo Sacrifício e o povo (ou pelo menos “as lideranças paroquiais”) querem a Eucaristia.

Sim, eu sei que teoricamente são sinônimos. Mas na prática não é necessário ser um gênio para perceber que os dois termos significam não apenas coisas diferentes, mas opostas. Talvez o padre tenha feito com que de vez em quando se fale em sacrifício em algum comentário, ou em alguma música, mas, na realidade, todo o resto diz que não há sacrifício. É só ceia, banquete, memorial.

Não se nega que a Missa possua esses elementos, mas na sua essência ela é Sacrifício. E todo o resto decorre desse aspecto essencial que não pode apenas ser uma ideia, mas precisa ser identificável na própria celebração em todos os seus aspectos.

O problema é que a Missa de acordo com o Missal de Paulo VI se não nega, ao menos omite essa realidade sacrifical. Ela, na melhor das hipóteses se torna um dos aspectos da Missa, mas não a sua essência. Por isso, quase todas as coisas que o nosso pobre padre fizer para que a Missa seja um sacrifício e que se perceba a doutrina sobre o sacerdócio católico serão desobediências ou às normas litúrgicas universais, ou nacionais, ou diocesanas, ou ao menos a omissão delas. Ou então ele chegará à conclusão (certamente equivocada) de que se não há uma proibição, portanto, é permitido; e introduzirá tudo o que puder da missa antiga que talvez até conheça bem na missa nova. Ou simplesmente dentre as dezenas de opções que o próprio missal oferece, sempre optará pelo que mais parecer com a liturgia tradicional.

A missa nova em si mesma foi feita para atenuar ou destruir a ideia de sacrifício e do Sacerdócio Católico tal como compreendidos até então. Quanto mais os fiéis da paróquia participarem dos cursos oficiais de teologia, tanto menos conhecerão o que é a Missa e o que é o Sacerdócio Católico. E mais, aprenderão que as concepções tradicionais são velhas, superadas e até mesmo erradas, e isso baseado em documentos da Igreja recentes como a própria Instrução Geral do Missal Romano ou seguindo autores que dariam eles mesmos a correta compreensão dos dogmas católicos, se ainda pudermos falar em dogmas…

Por isso, a ideia de “Missa Nova bem celebrada” geralmente poderia ser traduzida por “Missa de Paulo VI mais parecida com a Missa de S. Pio V”. O problema é que para isso acontecer será necessário que não apenas o padre, mas os cantores, os comentadores (que perceberão sua absoluta contingência) e todos os demais membros da equipe também tenham ao menos uma formação diferente da que é dada nos cursos litúrgicos ministrados oficialmente.

E aqui, percebemos que os fiéis que vão à Missa, na melhor das hipóteses receberão as chamadas “migalhas da tradição”. Mas, até essas migalhas estão ameaçadas. Basta mudar de padre e voltamos à Missa Show: “Padre Chico vem aí, olê, olê, olá!” Ou por decretos diocesanos abusivos ordenando a suspensão da comunhão na boca e de joelhos, ou uso de véu, ou determinando a valorização da “igreja ministerial” etc…

Mesmo as Missas “Traditionis Custodes” não estão absolutamente seguras. Uma vez que estão sempre submetidas ao humor do Bispo Diocesano, “guardião da Tradição” que pode simplesmente expulsar um instituto tradicional ou não designar padre diocesano algum, ou fazer a missa peregrinar de capela para capela. E também o Bispo não ficará eternamente naquela diocese, sendo a tendência atual é substituir um bispo “conservador” por um progressista. De modo geral, o clero não é formado para ter convicções, mas para seguir o Bispo, nem que seja para o abismo.

As missas tradicionais celebradas por instituições reconhecidas pelas autoridades romanas hoje deve apresentar-se como uma questão de preferência, de gosto, de “sensibilidade litúrgica” e tão boa quanto (ou até superada) pela missa nova, fruto do “irrepreensível” Concílio Vaticano II.

Por isso, o simples fiel que compreendeu que a Missa Tradicional não é um problema, ao contrário, é a solução para a crise na Igreja e que compreende que ela não é uma questão de gosto ou preferência, mas de Fé, deve buscar também aprofundar seu entendimento na questão da autoridade e da obediência, para poder compreender que a aparente irregularidade ou desobediência de certos institutos na verdade é absolutamente regular e obediência à Igreja, e que mesmo a resistência a certas autoridades é caridade para com essas mesmas autoridades.

Não é minha intenção nesse artigo discutir validade ou licitude das Missas, uma vez que isso envolverá também o conhecimento e a intenção do sacerdote que só ele e Deus podem saber. Nem tampouco criar um clima de desconfiança, mas simplesmente fazer compreender que muitos fiéis sempre se disseram dispostos a voltar às catacumbas, mas negam-se a entrar nelas quando chega o momento.

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