Notícias

POLÊMICA: Concurso para professor causa furor na Itália

Luisa Ribolzi, especialista em educação da Itália, comparou o emprego de professor numa escola pública quando a economia está ruim a "um barco no qual todos que estão nadando no mar podem subir".

Agora imagine ver esse barco após 13 anos de ausência.

Quando a Itália realizou pela primeira vez desde 1999 um concurso para preencher posições vagas de professor nas escolas públicas, em dezembro passado, testemunhou-se uma espécie de furor nacional entre os desesperados educadores italianos, desempregados ou subempregados. Mais de 321 mil pessoas se candidataram, buscando apenas 11.500 postos.

Tal proporção é reveladora, tanto quando se pensa nas parcas perspectivas de emprego no país – onde a taxa de desemprego geral ultrapassa os 11 por cento e, no caso das pessoas entre 24 e 35 anos, bate em quase 14 por cento –, quanto a respeito da rigidez e mentalidade territorial do sistema público de ensino, abalado por anos de cortes orçamentários e congelamento de contratações.

Segundo críticos, o Ministério da Educação suspendeu concursos anteriores repetidas vezes para economizar dinheiro, quando os exames deveriam acontecer a cada três anos. Nesse meio tempo, o Ministério preencheu as vagas com professores temporários, enfurecendo sindicatos e aspirantes aos cargos.

De acordo com representantes do Ministério, o concurso deve deixar os erros passados para trás e introduzir uma nova geração de professores numa força de trabalho cuja idade média agora é de 50 anos, uma das mais altas da Europa, após congelar as aspirações de jovens interessados por muito tempo. Contudo, também se percebeu outro sinal de como a economia nacional foi afetada, pois a idade média dos candidatos era de 38 anos.

Críticos do sistema atual, com sua distinção entre professores permanentes e temporários, os quais trabalham de forma precária por baixos salários com contratos de um ano ou menos, dizem que este se tornou impraticável.

"Basicamente, o sistema mata os jovens, mantidos na rédea curta entra ano sai ano", declarou Marco Paolo Nigi, secretário-geral do sindicato italiano dos professores, Snals-Confsal. "É vergonhoso. E é um sistema que estamos tentando modificar."

Embora a prova tenha aberto caminho para pessoas pré-qualificadas se tornarem professores, ela se tornou um novo escrutínio de um sistema de educação e contratação que muitos, como Nigi, afirmam precisar ser revisto.

Primeira a ser administrada em computadores, a prova pretendia avaliar a lógica, compreensão de texto e conhecimentos de matemática e linguística. Uma das questões perguntava o que era uma tela sensível ao toque e, na parte envolvendo o idioma inglês, pedia para escolher entre "would" e "could".

Segundo críticos, a prova foi uma ferramenta ruim de contratação porque não media atributos como a paixão por lecionar e amor pelas crianças, essenciais num bom professor.

"Existem formas melhores de determinar o mérito", afirmou Romina De Cesaris, 37 anos, professora de história e filosofia de Pescara, na costa do Adriático, que trabalha há dez anos por meio de contratos temporários. "Esse provão é ofensivo para quem tem formação na área do ensino. É possível passar num teste sem ter competência didática para ensinar aos estudantes."

Embora a proporção entre alunos e professores da Itália esteja entre as mais elevadas da Europa, ela não se traduz necessariamente em melhor educação, afirma Andreas Schleicher, consultor da direção da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, com 34 países, sobre questões educativas.

"Em termos de desempenho estudantil, a Itália está abaixo do padrão da OCDE. Existe um número grande de professores, mas eles são mal pagos e têm relativamente baixo nível de formação. Outros sistemas priorizam a qualidade dos professores em relação ao tamanho das turmas."

Mais de 260 mil candidatos fizeram a prova, tentando responder 50 perguntas em 50 minutos. Eram exigidas 35 respostas corretas para passar à próxima fase nesse lento processo de contratação; somente 34 por cento avançaram. Um exemplo típico de candidato pode ser encontrado em Valentina, 34 anos, que não quis informar o sobrenome por questões de privacidade. Ela é advogada em Roma há oito anos, mas não conseguiu emprego em tempo integral em escritório de advocacia. Assim, ela espanou a poeira do diploma de magistério que lhe permitia lecionar na escola primária para poder se candidatar ao concurso e, talvez, mudar de carreira.

"Quem sabe dê certo", ela afirmou em tom de dúvida, enquanto esperava no portão de uma escola de ensino médio num bairro romano de classe média.

Após a prova, as próximas etapas envolvem exames discursivos e orais no começo de 2013. Caso passe por eles, Valentina entrará na fila em busca de um dos 118 cargos de professor de escola maternal em Roma e nos arredores da capital italiana, por um salário de aproximadamente US$ 1.580 mensais. "É triste", ela afirmou a respeito de suas perspectivas no geral.

Os concursos são cada vez mais raros, à medida que o serviço público italiano encolhe por efeito de cortes; assim, a prova de dezembro atraiu grande atenção da imprensa.

"Como não existe regularidade no recrutamento de professores, uma seleção que em outros países acontece na ordem natural das coisas, na Itália assume um caráter ritual", afirmou Ribolzi, vice-presidente da Agência Nacional para a Avaliação de Universidades e Institutos de Pesquisa.

Outros fatores complicadores nas escolas foram os seguidos cortes orçamentários e as várias tentativas abortadas de melhorar os padrões de ensino.

O mercado de trabalho italiano é tão ruim e a seleção pública tão rara que existe "uma avalanche de candidaturas em todo concurso que aparece, independentemente de ser no setor público ou privado", declarou Arnaldo Agostini, redator-chefe da "Lavoro Facile", revista que traz novos empregos.

Muitos críticos protestaram quanto ao fato de o Ministério da Educação ter realizado um concurso para novos candidatos quando milhares de professores qualificados estão vegetando.

Massimo Gargiulo, porta-voz do Comitê das Escolas de Roma, um dos vários grupos que trabalham em prol dos professores temporários, argumentou que "o sistema educacional italiano não tem planejamento nenhum".

Segundo Gargiulo, existem cerca de 200 mil professores habilitados à espera da contratação, antes mesmo da prova da semana passada. O Ministério da Educação disse não dispor de estatísticas oficiais.

"Neste exato momento, há 50 pessoas à minha frente para lecionar grego em Roma, mas a prova colocará dezenas de milhares de outros concorrentes no ranking. Não é competição, é loteria", concluiu. Fonte:  Jornal americano "The New York Times" 

Mostrar mais

Artigos relacionados

Fechar

Adblock detectado

Por favor, considere apoiar-nos, desativando o seu bloqueador de anúncios