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Desânimo e protesto comprometem festa dos 150 anos da unificação da Itália

Durante séculos a Itália ficou dividida em pequenos principados, cujos soberanos pertenciam a diferentes dinastias europeias: austríacos, franceses, espanhóis, entre outros. O caminho foi longo até o 17 de março de 1861, quando Vítor Emanuel 2º (1820-1878) proclamou o Reino da Itália.

Porém na celebração do sesquicentenário da unificação, boa parte do Belpaese governado por Silvio Berlusconi não manifesta o orgulho que se poderia esperar. Prova disso foram as vaias que acompanharam a aparição do premiê em Roma, durante as festas da Unità.

Antes, foram acalorados os debates sobre se as crianças deveriam ser liberadas da escola nesse dia, ou não. Por fim, o gabinete decretou o 17 de março feriado nacional, para desagrado de boa parte dos ministros.

Os protestos mais veementes partiram da Liga Norte ("Lega Nord", em italiano), de veleidades autonomistas (ou separatistas, diriam outros). Atualmente, o partido tenta por todos os meios fazer passar no Parlamento uma lei que fortalecerá o federalismo no país. E assim separará ainda mais as regiões mais ricas do norte do pobre sul italiano.

Terra da música e dos prazeres sensoriais, os tons que dominam a Itália na segunda década do século 21 estão bem longe de serem harmônicos, comenta o publicista da agência de notícias DPA, Hanns-Jochen Kaffsack. A começar pelo alto norte.

Com toda clareza, o presidente da região de Trentino-Alto Ádige (Tirol do Sul), Luis Durnwalder, comunicou ao presidente da república, Giorgio Napolitano, não ter nada a ver com a celebração do 17 de março.

Sua justificativa: "O grupo de língua alemã não tem nada para festejar. Em 1919 ninguém nos perguntou se queríamos fazer parte do Estado italiano". Quando o Reino da Itália foi proclamado em 1861, na cidade de Turim, o Tirol do Sul ainda pertencia à Áustria, e neste meio tempo conquistou pronunciada autonomia dentro da Itália.

Embora assegurando não querer abrir velhas feridas com suas palavras, foi precisamente isso o que Durnwalder fez.

Liga Norte

Um pouco mais ao sul, é a Liga Norte, se manifestou contra a "unidade" do país. O partido é formado por diversos movimentos de autonomia regional, e o mais curioso – sobretudo no contexto do jubileu – é o fato de ser ele o principal parceiro de coalizão do primeiro-ministro Berlusconi.

Dentre os três ministros da Liga Norte no gabinete, foi justamente Roberto Calderoli que tachou o novo feriado nacional como "anticonstitucional e economicamente insano". Ele é o chefe do Departamento de Simplificação Normativa, encarregado de racionalizar as leis e regulamentos italianos.

No Centro da Itália encontra-se a capital Roma, tão injuriada pela Liga Norte. Aqui, quem impera (ainda) é um czar da mídia e bilionário de 74 anos, com uma irresistível queda por mulheres bem mais jovens.

Há 17 anos Silvio Berlusconi marca a imagem da Bell'Italia. Embora seja menos a sua atuação política a ditar os destinos da nação. O "Ano da Unidade" a encontra em meio a um impasse econômico, e politicamente paralisada pelas infindáveis intrigas em torno do cavaliere Berlusconi.

E ele nem é necessariamente o culpado, se o país parece tão dilacerado, 150 anos depois de ser proclamada sua unidade. Os historiadores confirmam: em 1961 já era assim. Porém os anos sob Berlusconi têm sido uma época de chumbo: muito motivo para comemorar, não há, na opinião do jornalista Kaffsack.

"Salviamo l'Italia"

"Em que outro país do mundo os cidadãos se veem com tanto desprezo quanto na Itália?", pergunta o historiador inglês Paul Ginsborg. Ele mora há 18 anos no país, e recentemente se naturalizou italiano. "Certamente, não os gregos, nem os franceses, tampouco os americanos ou os britânicos", afirma.

Em sua breve, porém reveladora publicação Salviamo l'Italia (Salvemos a Itália) Ginsborg registra a perplexidade da comunidade internacional pelo fato de a nação não conseguir dar um grito de libertação. Falta uma oposição digna desse nome, talvez também um "movimento de rua" de grandes proporções, avalia o pesquisador.

Já seu renomado colega romano Emilio Gentile é bem mais rigoroso com os próprios compatriotas. Em seu livro Né stato né nazione (Nem Estado nem nação), ele os denomina "inimigos da Itália"; suas principais virtudes são… o vício. Os italianos são indiferentes, egoístas, preguiçosos no trabalho e sempre interessados em "se dar bem", prossegue Gentile. Com gente assim, não é mesmo possível formar um Estado – é o veredicto do historiador.

Seguindo ainda mais para o sul, uma pichação anônima num velho muro da capital sarda, Cagliari, diz: "A Sardenha não é Itália". Também aqui é cada vez mais premente o clamor por autonomia.

Todo o Mezzogiorno – como é denominado o território meridional que vai da cidade de Nápoles até Reggio Calabria – continua dependendo das verbas de Roma para subsistir. Mas, apesar dos bilhões de euros que fluem, o abismo norte-sul não para de crescer.

A explicação para tal é provavelmente a frase tantas vezes citada: "Aqui, quem governa é a Máfia". Hoje, a organização criminosa mais poderosa é a calabresa 'Ndrangheta. Certas zonas na ponta da bota da Itália são consideradas terra sem lei: como um faroeste sem xerife.

De fato: de uma nação marcada por tantos problemas é mesmo muito difícil exigir clima de júbilo comemorativo no 17 de março, Dia da Unificação Italiana.

AV/dpa/afp/dapd
Revisão: Carlos Albuquerque

 

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