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ESPECIAL: Para cidade italiana na fronteira, restrição suíça à imigração é “bomba-relógio”

Valsolda é uma pequena cidade italiana, nas encostas dos Alpes e às margens do lago de Ceresio, no norte do país. Aqui, o resultado do referendo popular suíço contra a imigração caiu como uma bomba-relógio, pronta para explodir dentro de três anos. A maioria dos moradores trabalha na Suíça, vizinha de casa.

Três anos é o prazo máximo para o Parlamento da Suíça transformar, em medidas concretas, as propostas do plebiscito, aprovado por 50,3% dos votos.

A introdução de um teto e uma quota limite de trabalhadores imigrantes na Suíça tira o sono dos moradores do lado de cá.

Isso porque cerca de 90% dos 1.600 habitantes de Valsolda estão empregadas na Suíça

O prefeito da cidade, Giuseppe Farina, não esconde a preocupação. "Nossa economia depende, fundamentalmente, dos 'frontalieri' (italianos que cruzam a fronteira para trabalhar). São pessoas que investiram em sua mão-de-obra, no seu trabalho, também para o benefício da Suíça, ocupando empregos que eles deixaram vagos", disse em entrevista à BBC Brasil.

A economia da italiana Valsolda está ligada à da suíça Lugano como por meio de um cordão umbilical. As contas do município – considerado o mais pobre da Itália, segundo o ministério do Tesouro – já sofrem porque os moradores pagam o imposto de renda na fonte, ou seja, na Suíça. Ao mesmo tempo, eles usufruem do serviços públicos italianos, como o hospital e a escola dos filhos, por exemplo.

O equilíbrio precário é alcançado porque os governos da Suíça e da Itália possuem um tratado pelo qual 38% dos impostos pagos pelos "frontalieri" no lado suíço são estornados e voltam aos cofres italianos. Ao final, o município mais pobre da Itália tem um dos padrões mais altos de vida, paradoxalmente.

A questão se repete, em diferentes níveis, em todas as cidades próximas da fronteira. São 50 municípios desta região italiana, ao redor do lago de Como, vizinha ao Cantão Ticino, na Suíça. Em boa parte, as economias dessas cidades são irrigadas pela renda produzida por seus moradores no outro lado da fronteira.

Em Valsolda, a fila de carros é grande pela manhã na SS 340, a estreita rodovia que leva até Lugano. As duas cidades estão separadas por apenas apenas dez quilômetros de distância e dois túneis.

Os ônibus também cruzam a fronteira cheios de empregados de bancos, de restaurantes e de lojas suíças. Eles sobem ao longo das paradas pelo caminho sinuoso, ao redor dos lagos de Como e Ceresio.

O êxodo urbano acontece todos os dias. Tanto que, no horário comercial, as janelas da italiana Valsolda permanecem fechadas e as vielas, desertas.

Com cerca de cem bancos, Lugano é uma espécie de porto seguro para a sonegação fiscal italiana, um problema crônico e diplomático entre os dois países. Ali se registrou um crescimento de 75% de trabalhadores "frontalieri" nos últimos 12 anos.

Os italianos correm sempre para lá quando a situação dentro de casa piora. Foi assim no período posterior à Segunda Guerra, no século passado, e agora.

Juntos, os "frontalieri" já formam um exército de 62 mil pessoas no lado suíço, beneficiadas pelo tratado de livre circulação assinado pela Suíça com a União Europeia, em pleno vigor desde 2012.

"Nos últimos dois anos tivemos um aumento de 5 mil a 6 mil 'frontalieri' e isso acarretou uma dificuldade na circulação, pois as estradas são antigas e não dão vazão ao volume do tráfego italiano. E eis um dos motivos para o 'sim' do referendo", disse para a BBC Brasil Osvaldo Carlo, do sindicato dos "frontalieri" na região do lago de Como.

"Mesmo sendo o italiano um profissional respeitado, ele acaba pagando o preço de um problema que é mais urbano e político do que qualquer outra coisa. Não é xenofobia”.

Em território suíço, muitos italianos exercem atividades humildes que os suíços deixaram de fazer em seu próprio país, relegando-as por sua vez aos imigrantes, como a profissão de cuidadora.

"Trabalho na casa de uma idosa, em Lugano. Faço este trabalho porque ganho bem, aqui", contou a italiana Paola Soiari, enquanto descia do ônibus, no ponto final, na praça central de Lugano.

Mas os "frontalieri" também ocupam vagas em universidades e empresas, muitas delas italianas – 2,6 mil no total- que, recentemente, abriram filiais ou se transferiram para o outro lado dos Alpes. Chegaram em busca de melhores condições de investimentos e incentivos fiscais, além de uma burocracia simples, uma miragem na Itália.

Concorrência desleal

A imigração é uma saída de emergência . Os italianos fogem da crise, com uma taxa de desemprego em torno de 12,7%, segundo estatísticas oficiais, contra 4% na Suíça. O país vizinho é visto como um "Eldorado" encravado entre as montanhas.

Os salários são, em média, três vezes superiores aos equivalente italianos, além da pressão fiscal ser menor, 20% contra 40% na Itália. "E esta também é uma questão central pois muitos italianos, sem emprego, se sujeitam a baixos salários", reconhece Osvaldo Carlo à BBC Brasil.

"Com a crise, um eletricista aqui se sujeita a ganhar cerca de 10 euros por hora, enquanto que na Suíça este valor cobrado é 17, 18 euros. Com 13 euros, ele fica satisfeito. Com razão, os suíços se lamentam da concorrência desleal"

A concorrência salarial "pode explicar, em parte, a razão pela qual 68% dos eleitores do Ticino disseram 'sim' ao plebiscito popular. Com a crise, os italianos estão dispostos a trabalhar mais por menos.

Segundo as estatísticas oficiais, 25% do mercado de trabalho – principalmente no setor de serviços- estão nas mãos de estrangeiros, italianos em sua maioria.

Por isso, como prevenção, as autoridades locais já estabeleceram um salário mínimo para 9 categorias profissionais e a fiscalização está mais rigorosa.

A Suíça tem 8 milhões de habitantes e possui 1,8 milhão de residentes estrangeiros (dados de abril de 2013), liderados por 291 mil italianos, 284 mil alemães, 238 mil portugueses e 104 mil franceses.

A estes somam-se os "frontalieri": 143 mil franceses, 62 mil italianos, 56 mil alemães, e apenas 8.100 austríacos.

O plebiscito obriga a Suíça a rever os acordos bilaterais entre o país e a União Europeia, que já criticou o resultado.

O prefeito de Valsolda aposta no bom senso das autoridades e parlamentares de Berna: "Acho que a Suíça não pode fazer por menos, porque precisa destes trabalhadores", argumentou. (Por Guilherme Aquino)

 

 

 

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