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“Processar jornalista não erradica escândalos”, diz autor de Vatileaks

O nome de Gianluigi Nuzzi não passa despercebido dentro dos muros vaticanos. Chega até a causar insônia em alguns purpurados que circulam pelos corredores do Palácio Apostólico.

Aos 46 anos de idade, o jornalista investigativo originário de Milão é o autor de livros baseados em documentos sigilosos que escancaram problemas nunca antes revelados sobre a Santa Sé, como má gestão de recursos financeiros, corrupção, intrigas políticas e lutas por poder. Em 2012, Nuzzi ficou mundialmente famoso ao publicar "Sua Santidade: As Cartas Secretas de Bento XVI", obra escrita com base em correspondências pessoais do pontífice alemão Joseph Ratzinger e do arcebispo italiano Carlo Maria Viganó, membro do Governatorato. Boa parte das cartas fora copiada e entregue a Nuzzi pelo mordomo pessoal de Bento XVI, Paolo Gabriele, em um escândalo que ganhou o nome de "Vatileaks".

O vazamento de documentos levou o mordomo à prisão e Nuzzi, a processos judiciais instaurados pelo Vaticano. A bomba maior, porém, ficou por conta da renúncia de Bento XVI, em 2013, cuja situação tornara-se insustentável após o livro trazer à tona suas divergências com o então secretário de Estado, cardeal Tarcisio Bertone. Mais de três anos depois, Nuzzi volta à cena. Agora, com a publicação de "Via Crucis", um livro também redigido sobre documentos sigilosos. O tema desta vez é a batalha do argentino Jorge Mario Bergoglio contra a gestão fraudulenta de recursos financeiros do Vaticano. Lançado em novembro de 2015, "Via Crucis" compara a saga do papa Francisco com o trajeto doloroso de Jesus carregando sua cruz.

Desde que foi eleito sucessor de Bento XVI, Francisco criou comissões de laicos para analisar e reformular as contas do Vaticano. Em entrevista exclusiva à ANSA, Nuzzi contou que as reformas têm recebido grande resistência, principalmente de dirigentes de alto escalão da Igreja Católica que controlam fundos e verbas milionárias. Em 314 páginas, o jornalista detalha como entidades e nomes importantes da Santa Sé se apossam de verbas da Igreja e alteram balanços financeiros sem justificar detalhadamente, na maioria das vezes, a destinação dos fundos. Apesar de elogiar os esforços de Francisco nas reformas, Nuzzi é alvo atualmente de um novo processo judicial por ter tido acesso a documentos referentes a reuniões secretas do Papa. "Não é processando os jornalistas que se evitam os escândalos.

Na verdade, é afastando os mercadores do templo", defendeu-se Nuzzi. Abaixo, a entrevista completa: ANSA Brasil: O que acontece neste momento no Vaticano com o Papa? Francisco tem realmente uma vontade de mudar a cúria e de realizar reformas financeiras? Nuzzi: Desde o verão [boreal] de 2013, Francisco lançou um articulado programa de reforma das finanças do Vaticano, diante de uma queda das receitas, assim como de fieis. Este programa revigora as mudanças já propostas por Bento XVI e encontra muita hostilidade da parte daqueles que não querem perder seus privilégios e poderes. No meu livro, relato todos casos críticos que Francisco descobre na cúria, assim como as ações de reforma que adota e a luta para levar seu projeto adiante. Digo "luta" porque os homens de confiança de Francisco falavam verdadeiramente de uma "guerra aberta". Uma guerra para afastar os mercadores do templo.

Ansa Brasil: Quem são os personagens "maldosos" dentro do Vaticano? São as mesmas pessoas que fizeram oposição ao Pontificado de Bento XVI? Nuzzi: Os que são contrários às reformas são aqueles que controlam o poder da cúria e da administração econômica e financeira, inclusive durante o pontificado de Bento XVI.

Aqueles que gozam de privilégios, assumem sem critérios a gestão de fundos incontáveis, redes de clientela. A "doce revolução" de Bergoglio reduziu, de fato, o papel da Secretaria de Estado, separando a responsabilidade econômica daquela diplomática. Mas Francisco está tentando mudar a mentalidade e agindo diretamente sobre a burocracia que, há décadas, ficou nas mãos de fluxos financeiros que do Vaticano alimentam a Igreja em todo o mundo. ANSA Brasil: As reformas de Francisco e o vazamento de documentos secretos têm relação com os escândalos do pontificado de Bento XVI? Nuzzi: Relacionar os escândalos a um pontificado é impróprio, mas isso ocorre porque ainda hoje sabemos de maneira parcial e condicionada o que acontece no Vaticano.

Dou um exemplo: das ações penais e judiciárias abertas dentro do Vaticano para erradicar a imoralidade e os maus costumes, sabemos pouco ou quase nada. Isso quer dizer que não ocorrem ou que não são comunicadas para não desatar um escândalo? Mais uma prova dessa falta de comunicação/divulgação está no meu livro: estamos pouco habituados a obter informações sobre dinheiro da cúria e, quando um livro retrata isso com documentos incontestáveis, infringe um tabu. ANSA Brasil: Você pode dizer algo sobre o processo judiciário ao qual responde dentro do Vaticano? Nuzzi: Se o Papa se sentiu perturbado com meu livro, sinceramente eu fico feliz e entendo sua reação dura e firme, como chefe de Estado [em abrir um processo judicial]. Mas acredito que, mais que com meu livro, Francisco se decepcionou ao descobrir como vivem e o que fazem certos "faraós" da Igreja. Uso essa palavra porque ela foi pronunciada pelo próprio Papa. "Via Crucis" não é somente o título sugestivo do meu livro, mas sim, reflete o caminho difícil enfrentado por um Papa que é amado por todos. Ainda assim, acho surpreendente processar jornalistas por livros que escreveram. Não é processando os jornalistas que se evitam os escândalos. Na verdade, é afastando os mercadores do templo, os que se beneficiam de confiança, que se evitam os escândalos e os temas de investigações jornalísticas. Não é rompendo o espelho que as imagens e os fatos desaparecem.

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