Federica Mogherini, 41 anos é a nova alta representante da União Europeia (UE) para Política Externa e Segurança. Agora ex-chanceler da Itália e especialista em Oriente Médio, ela chega ao cargo apoiada pelo popular primeiro-ministro Matteo Renzi, mas com o desafio de criar uma diplomacia comum em um bloco que reúne 28 nações e interesses muitas vezes conflitantes.
Membro de destaque do centro-esquerdista Partido Democrático (PD), Mogherini virou, em fevereiro deste ano, a mais jovem ministra das Relações Exteriores da história italiana. De lá para cá, ela vem tentando aumentar a voz de Roma nas principais questões internacionais.
Como chanceler, participou ativamente das negociações entre palestinos e israelenses no Egito, aprovou o envio de armas para ajudar os curdos iraquianos a enfrentarem o Estado Islâmico e buscou chamar a atenção para a crise líbia.
O foco dado ao Oriente Médio e ao norte da África não é à toa. Formada em ciência política pela Universidade La Sapienza, de Roma, ela graduou-se com nota máxima graças a uma tese sobre a relação entre religião e política no Islã.
"O que mais podemos esperar é o interesse contínuo no Oriente Médio. Mogherini conhece bem os problemas entre Israel e Palestina e o Estado Islâmico. Os holofotes cairão de novo nessa região. A maioria dos analistas admite que a política europeia nessa área não conseguiu provocar os resultados desejados, então teremos um esforço renovado", explica Elena Lazarou, coordenadora do Centro de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Mas a ascensão de Mogherini a um dos postos mais importantes da UE não foi concluída sem percalços. Durante o processo de indicação, ela sofreu resistência por sua suposta falta de experiência e alguns países, como os bálticos e a Polônia, a acusaram de não ser rígida o suficiente com a Rússia.
Porém uma sabatina no Parlamento Europeu acabou derrubando as barreiras que existiam contra a italiana. Na ocasião, Mogherini defendeu uma mudança nas relações com Moscou, que não seria mais uma parceira do bloco. Ela também ressaltou a importância de manter uma política externa que preserve a paz e a estabilidade internacional, construindo uma diplomacia comum dentro da União.
Suas posições agradaram tanto que ela foi elogiada por todos os grupos políticos que compõem o Congresso da UE. "Nunca há um candidato que é favorito dos 28. O que existe é um processo de negociação, de avaliar o poder relativo de vários países. E o argumento de que a Itália não tinha ocupado um cargo institucional de alto nível na região foi aceito", acrescenta Lazarou.
Certamente também contribuiu para isso a expressiva votação alcançada pelo Partido Democrático, de Renzi, nas últimas eleições europeias, em maio. Na ocasião, o PD obteve pouco mais de 40% da preferência na Itália e se tornou a sigla mais votada de todo o bloco.
Como os conservadores – maioria no parlamento – indicaram o novo presidente da Comissão Europeia (o poder executivo da UE), Jean-Claude Juncker, coube aos socialistas escolherem o chefe de diplomacia. Dono do maior número de votos dentro da centro-esquerda, o premier italiano fincou o pé na nomeação de Mogherini.
Transição inédita
Criado em 2009 com a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, o cargo de alto representante só teve até agora um ocupante, a britânica Catherine Ashton. Embora tenha participado de negociações importantes, como as tratativas sobre o programa nuclear iraniano, ela teve de concentrar boa parte de sua agenda na organização do serviço diplomático da União Europeia, com o estabelecimento de novas embaixadas e delegações.
"Foi um papel mais de construção da instituição", diz Lazarou. Já Mogherini herda esse trabalho pronto, portanto poderá se preocupar mais com o conteúdo da política externa. Por outro lado, ela pega uma Europa cada vez mais em dúvida sobre os benefícios da integração, um efeito direto da crise que assola o continente.
Recentemente houve o referendo separatista na Escócia, economias debilitadas adotam medidas de austeridade, países como Alemanha, França e Reino Unido partem para uma diplomacia individual e, em muitas nações, ganham força movimentos contrários ao euro. Tudo isso torna a tarefa de construir uma voz unificada mais difícil.
Imigração
Outra novidade do mandato de Mogherini pode ser um foco renovado também na questão migratória, já que ela vem de um país que recebe milhares de imigrantes ilegais todos os anos. Tais pessoas partem do norte da África em embarcações clandestinas superlotadas em busca de uma vida melhor na Europa.
E devido à proximidade com o continente africano, a Itália é a porta de entrada preferida, principalmente a ilha de Lampedusa. Não raro, essas viagens terminam em tragédia, como o naufrágio de 3 de outubro do ano passado, que deixou 368 mortos.
Além de uma italiana chefiando a política externa, a UE passa a ter também um grego como Comissário para Migração e Assuntos Internos, Dimitris Avramopoulos, o que pode propiciar uma dobradinha nesse setor. "É possível termos uma aliança greco-italiana para a política de imigração", completa a coordenadora da FGV.