
Os brasileiros não desistem. Mesmo com a recente mudança na legislação italiana que impôs critérios mais rígidos para o reconhecimento da cidadania por descendência, o interesse dos brasileiros pelo processo continua firme. Apenas no mês de maio, o Tribunal de Veneza informou o registro de 900 novas ações de reconhecimento de cidadania italiana por via judicial, o que demonstra que a demanda segue forte, apesar das novas barreiras legais, segundo especialistas.
Isso ocorreu a despeito da entrada em vigor o Artigo 106 do Código Civil italiano, no início de 2025, que já tentava limitar a chamada “judicialização em massa” dos pedidos, impondo um aumento substancial na taxa de 600 euros para cada requerente, encerrando o modelo anterior de cobrança de 300 euros para processos coletivos para que as famílias buscassem sua cidadania.
Independente de todas as mudanças, em muitos casos, o processo judicial continua sendo a única alternativa para garantir o direito à cidadania, especialmente para descendentes de mulheres italianas que tiveram filhos antes de 1948, período em que as mulheres ainda não podiam transmitir a nacionalidade, como explica o CEO da plataforma io.Gringo, Matheus Reis.
“Mesmo com a nova legislação, os brasileiros continuam buscando o reconhecimento de um direito legítimo, que muitas vezes representa não apenas um elo com a história familiar, mas também novas possibilidades de vida e trabalho na Europa”, afirma Reis.
O que mudou com a nova lei
As restrições foram reforçadas com a Lei n. 36/2025, publicada em 28 de março pelo vice-primeiro-ministro da Itália, Antonio Tajani. A norma estabelece que apenas filhos ou netos de italianos nascidos na Itália poderão obter o reconhecimento da cidadania. O novo texto veta que italianos reconhecidos, mas nascidos no exterior, transmitam a cidadania a seus filhos, salvo se tiverem residido ao menos dois anos na Itália antes do nascimento da criança.
Com cerca de 30 milhões de descendentes de italianos fora da Itália, mais de 15 milhões apenas no Brasil, as mudanças geraram intensa mobilização entre advogados, consulados e comunidades italianas no exterior. Especialistas apontam que a medida pode ser inconstitucional, por violar direitos adquiridos e tentar alterar retroativamente um direito reconhecido no nascimento, o que contraria os princípios da Constituição Italiana.
O entendimento de parte dos tribunais é que processos protocolados até as 23h59 de 27 de março de 2025 seguem regidos pelas regras anteriores. Após essa data, as decisões vêm sendo tomadas caso a caso. Muitos advogados seguem defendendo a tese de inconstitucionalidade das novas regras para garantir o direito de seus clientes, segundo Reis.
Além da via judicial, a via administrativa também foi impactada. Os consulados e comunes não estão mais aceitando novos pedidos. Um novo órgão, com sede em Roma, será responsável pelo processamento dos pedidos de cidadania no futuro, mas ainda não está em funcionamento; a previsão é que isso ocorra em até um ano.
O cenário jurídico segue em debate acalorado, tanto na Itália quanto no exterior. Advogados alertam para a insegurança jurídica criada pela mudança das regras e destacam que Estados brasileiros com grande número de descendentes, como São Paulo, estão entre os mais afetados.
Enquanto a discussão avança, cresce também o volume de novas ações nos tribunais italianos, agora com novas linhas de argumentação, baseadas na defesa de direitos fundamentais. A expectativa, de acordo com Reis, é que a Corte Constitucional italiana seja chamada a decidir sobre a validade do novo decreto e possa dar uma palavra final sobre a questão, que envolve não apenas procedimentos administrativos, mas princípios basilares do ordenamento jurídico do país.