Um "detetive" de arte italiano acredita estar mais perto de desvendar o enigma de uma famosa "obra perdida" do pintor renascentista Leonardo da Vinci.
Após anos de tentativas, o especialista em engenharia eletrônica Maurizio Seracini recebeu o apoio das autoridades de Florença para realizar sua investigação em um dos mais emblemáticos edifícios da cidade.
Seracini crê que por trás de uma das paredes do Palazzo Vecchio, onde funciona a prefeitura florentina, esconde-se há quase 450 anos um mural onde está pintada "A Batalha de Anghiari", descrita como um dos estudos mais minuciosos sobre anatomia e movimento já feitos por Da Vinci.
A maior pintura já realizada por ele, três vezes maior que "A Última Ceia", foi abandonada incompleta em 1506 por razões ainda desconhecidas. Durante várias décadas, pintores como Rafael passaram pelo salão onde ela se localizava, o Salone dei Cinquecento, para estudá-la e fazer cópias dela.
A obra desapareceu sem deixar rastro durante uma reforma do salão iniciada em 1563. Com a mudança, a sala foi revestida com pinturas do arquiteto e pintor Giorgi Vasari retratando vitórias militares dos Medicis.
Em 1975, quando procurava no Salone dei Cinquecento pistas sobre o paradeiro da "Batalha", Seracini se deparou com o sinal que originou sua teoria: as palavras "Cerca Trova" – literalmente, procure e ache – inscritas em uma das bandeiras pintadas na cena. A única inscrição de toda a pintura, em um ponto acima da linha dos olhos dos espectadores.
Seracini acredita que Vasari, um admirador de Da Vinci, deixou ali uma indicação capaz de permitir a investigadores do futuro localizar o trabalho do mestre renascentista.
À época, utilizando equipamentos de diagnóstico por imagem, Seracini logrou alguns avanços na sua investigação. Porém, não a tecnologia disponível não permitia ao cientista "ver" com detalhes por trás da parede do salão.
Não foi senão em 2000, quando já dirigia sua própria companhia de investigação forense de arte, Editech, que ele retornou com equipamentos que lhe permitiram reconstituir as reformas na estrutura do prédio e localizar uma estreita camada de ar por trás da parede em que as obras de Vasari estão pintadas.
Hoje diretor do Centro Interdisciplinar de Ciência da Arte da Universidade da Califórnia, San Diego (UCSD), Seracini acredita que isto aponte para a existência de uma parede de concreto construída à frente da original, por trás da qual sobreviveria o estudo de Da Vinci.
Idas e vindas de negociações com as autoridades de Florença foram necessárias até que, neste mês, o cientista recebeu do prefeito florentino, Matteo Renzi, apoio político para levar a cabo novos estudos com a finalidade de "enxergar" a parede anterior com mais detalhes.
"O novo maior me disse que em breve daria permissão para que eu retome os trabalhos no Salone dei Cinquecento e complete a pesquisa do mural perdido", afirmou ele à BBC Brasil.
A autorização oficial daria sinal verde para Seracini e sua equipe projetarem raios de nêutron através da parede para verificar se a construção oculta uma pintura à base de óleo de semente de linho, que Da Vinci teria usado.
A investigação minuciosa e tecnológica tem rendido a ele comparações com Robert Langdon, o personagem fictício do livro "O Código Da Vinci" e do filme homônimo baseado na obra. E, de fato, como a imprensa tem destacado, Seracini é a única pessoa em carne e osso mencionada na trama de Dan Brown.
"Pesquisei documentos por muitos, muitos anos e nunca encontrei nada que sugira que a pintura tenha sido destruída, danificada ou removida. Não há evidências para supor que não esteja mais lá", disse o cientista.
O professor afirma que Vasari tinha o hábito de preservar obras-primas e que faria todo sentido que "não fosse capaz de destruir um Da Vinci". "("A Batalha") era considerada pelos contemporâneos de Leonardo como uma das grandes obras de arte dele. Representou o máximo alcance da arte no seu tempo."
A obra é conhecida apenas por trabalhos feitos posteriormente com base nela.
Se a teoria do professor Seracini for comprovada, a descoberta será um acontecimento na história da arte, e a prefeitura de Florença ganhará muito mais importância mundial como museu. Entretanto, caberá às autoridades decidir se devem ou não remover a pintura de Vasari, considerada uma obra-prima em si mesma.
Em declarações à imprensa, um porta-voz do prefeito disse que, por ora, a intenção é apenas descobrir se há de fato uma pintura oculta por trás das paredes do Salone dei Cinquecento. "Podemos não achar nada, mas se houver um Leonardo, seria de imensa importância para todo o mundo", declarou.