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Especial: Salão do Livro de Turim e a tolerância ao fascismo

Até onde vai a liberdade de expressão? Quais são os limites à tolerância com aqueles que defendem ideias extremistas? Essas questões estão no centro de um debate nacional na Itália por conta da participação de uma editora ligada a um movimento neofascista no maior evento literário do país, o Salão do Livro de Turim.

A exposição acontece de 9 a 13 de maio e se tornou alvo de críticas por permitir um estande da editora Altaforte, cujo fundador pertence ao partido neofascista CasaPound e que publica livros que fazem apologia a Benito Mussolini.

Entre outras obras, a Altaforte já editou volumes que exaltam o “testamento espiritual do condutor italiano” e a “revolução fascista” e até uma versão em história em quadrinhos dos diários do ditador na Primeira Guerra Mundial.

O espaço na feira literária, no entanto, foi comprado para promover o lançamento de um livro-entrevista com o popular e controverso vice-premier e ministro do Interior da Itália, Matteo Salvini, do partido ultranacionalista Liga.

A presença da Altaforte causou revolta em muitos setores da sociedade italiana e motivou boicotes contra o evento, mas também gerou defesas da liberdade de expressão, ainda que a apologia ao fascismo seja proibida por lei na Itália.

“O Salão deve ser o espaço para celebrar a tolerância e a resistência contra derivas neofascistas e autoritárias, um momento para batalhar usando a força da palavra. Mas com uma condição: a exclusão da Altaforte”, disse Valentina Sganga, líder do partido antissistema Movimento 5 Estrelas (M5S) na Câmara Municipal de Turim.

A Prefeitura, chefiada por Chiara Appendino, também do M5S, é acionista do Salão do Livro e denunciou nesta semana o fundador da Altaforte e coordenador do CasaPound na Lombardia, Francesco Polacchi, por apologia ao fascismo.

A ação foi acolhida pelo Ministério Público, que abriu um inquérito para apurar algumas frases ditas por Polacchi, como “eu sou fascista”, “o antifascismo é o verdadeiro mal deste país” e “Mussolini é o maior estadista italiano”.

Além disso, algumas personalidades e instituições anunciaram um boicote ao evento, incluindo o Museu de Auschwitz-Birkenau, o maior campo de extermínio nazista.

“Não se pode pedir a sobreviventes que compartilhem espaço com quem coloca em discussão os fatos históricos que levaram ao Holocausto, com quem propõe uma ideia fascista da sociedade”, diz uma carta enviada à Prefeitura de Turim por Halina Birenbaum, poeta sobrevivente do Holocausto, e Piotr Cywinski, diretor do Museu de Auschwitz.

O cartunista Zerocalcare e o historiador Carlo Ginzburg também boicotarão a exposição. Apesar disso, a presença da Altaforte no Salão está mantida. O estande da editora deve ser colocado em um espaço com segurança reforçada, provavelmente em frente ao do Ministério da Defesa.

Outro lado – Em meio à polêmica, também existem aqueles que se levantaram para defender a liberdade de expressão, ainda que o preço a pagar seja dividir espaço com quem propaga ideologias extremas.

A organização do Salão do Livro de Turim divulgou um comunicado afirmando que o evento é um “lugar de trocas, de debates, de festa”. “Essa experiência deve nos unir, não nos dividir”, disse.

Já Salvini declarou que a “cultura é sempre cultura, não importa de onde venha”. “Se há ideias diferentes, o debate também é belo”, acrescentou o ministro, que se disse “antifascista, anticomunista, antirracista, antinazista e anti tudo o que for possível”.

O temor em parte da elite cultural italiana é que o boicote deixe o extremismo livre de contestação no Salão do Livro. Duas empresas, Alegre e Eleuthera, colocarão em seus estandes uma faixa com os dizeres “aqui tem uma editora antifascista”, para marcar presença contra a Altaforte.

“O verdadeiro debate não é entre ir ou não ir a Turim, mas sim entre admitir a presença de fascistas na feira ou defender o antifascismo. Estaremos em Turim para não deixar espaço ao fascismo”, diz um comunicado da Alegre.

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