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Prefeito italiano quer independência e se tornar príncipe

Quando o governo italiano anunciou em meados de agosto que forçaria as cidades com menos de 1.000 habitantes a se fundir com suas vizinhas como parte de uma medida de corte dos custos orçamentários, houve protestos estridentes em todo o país.

Evocando a história da Itália, uma nação formada a partir de inúmeras cidades-Estado que protegem suas tradições locais, dialetos e diversidade, alguns dos prefeitos das 1963 cidades afetadas pela medida entregaram as chaves de suas cidades.

Outros disseram que iriam acolher os imigrantes que buscam escapar da devastação da Líbia para aumentar suas populações acima do limite de 1.000 habitantes.

O prefeito de Filettino, Sellari Luca, tem aspirações maiores: ele quer que sua cidade, localizada nas colinas ao leste de Roma – 598 habitantes – se torne um principado independente.

"Se é isso que é necessário para manter a cidade autônoma e proteger seus recursos naturais", disse o prefeito, que foi eleito em maio. Além disso, ele acrescentou: "todo mundo sonha em ser um príncipe."

Como convém a um monarca, Sellari perdeu pouco tempo em perseguir seu sonho. O pretenso principado já tem um brasão de armas, que agora aparece em tudo, desde camisetas ("vendendo como água", segundo o prefeito) a um licor, o Amaro do Principado, que Maria Cerrocchi, uma barman local, disse ser apenas uma garrafa de marca "com uma etiqueta fotocopiada colocada nela."

Filettino chegou a criar a sua própria moeda, o fiorito, que significa "flores" – "que assim como a cidade vai florescer na sua nova forma", explicou o prefeito – e que remete ao florim, o primeiro dinheiro cunhado em Florença no século XIII. Se o fiorito se tornar legal (até agora são apenas souvenirs), a taxa de câmbio deveria ser fixada a cerca de US$ 0,72 cada.

"Veja, com isso nós resolvemos o problema da dívida pública", disse Enio Marfoli, que é vereador de Filettino em tempo parcial e tocador de oboé e planeja escrever o hino nacional do novo principado. Marfoli disse que já está fazendo a sua parte para ajudar o Estado italiano a diminuir despesas administrativas: como vereador, ele trabalha de graça. "É basicamente um trabalho voluntário", disse ele.

Em toda a Itália, prefeitos de cidades pequenas estão irritados com o fato do governo nacional ter decidido cortar seus orçamentos relativamente insignificantes, em vez de enfrentar grandes questões politicamente sensíveis, como aumentar a idade de aposentadoria do país.

"Você sabe quanto todos os prefeitos e vereadores de pequenas cidades italianas custam ao Estado?", perguntou Franca Biglia, presidente da Associação Nacional de Pequenas Cidades, conhecida como ANPCI. A resposta: 5,8 milhões de euros, quase o mesmo que a câmara baixa do Parlamento "paga por seus serviços de restaurante."

Ela acrescentou: "Nós trabalhamos como loucos e eles querem cortar algo que custa o mesmo que a sua cozinha. O que eles estão esperando? Uma revolução?".

O governo, ao que parece, pode abrigar pensamentos semelhantes. Depois que os prefeitos da ANPCI protestaram diante da Câmara Menor, eles receberam garantias de que suas preocupações seriam levadas em conta quando o Senado votasse nas medidas contra a crise.

Há também sinais de que o governo está agindo em outras frentes, como na implementação de cortes propostos para institutos de pesquisa com menos de 70 funcionários ou para as províncias com menos de 300.000 habitantes. Relatos da imprensa sugerem que essas duas medidas podem ser atingidas pelo orçamento de emergência que foi rapidamente adotado em 12 agosto, em um esforço para acalmar os mercados financeiros e satisfazer o Banco Central Europeu, que estava pressionando a Itália a acelerar o trabalho de equilibrar seus gastos.

Desde então, uma série de emendas propostas ao orçamento – muitas delas oferecidas pela maioria do governo – se acumularam diante do Senado. Isso é um sinal das graves dificuldades políticas enfrentadas pelo primeiro-ministro Silvio Berlusconi, cuja maioria parlamentar cada vez mais dividida está se esforçando para tornar as medidas de austeridade mais palatáveis aos eleitores.

"Berlusconi quer continuar a governar, mas ele não pode, esse é o problema", disse o líder da oposição, Pier Luigi Bersani do Partido Democrata. Ele observou que apenas alguns dias após o Conselho de Ministros ter aprovado por unanimidade as medidas contra a crise, "cada ministro queria mudar a sua receita."

"Este é um problema político que temos na Itália", disse Bersani, um problema que mina a credibilidade do governo.

Tito Boeri, professor de economia da Universidade Bocconi, em Milão, disse que "a situação é de grande incerteza e nós realmente não sabemos para onde está indo afinal."

Ele acredita que uma forte oposição a alguns dos cortes de gastos está colocando pressão sobre o Parlamento para aumentar as receitas. Uma possibilidade seria o aumento no imposto sobre o valor agregado nas vendas. Mas, para Boeri, uma intervenção baseada em impostos vai ser menos eficaz para promover o crescimento na Itália, que tem uma das economias de mais lento crescimento na União Europeia.

Além de políticos, representantes da indústria e do comércio na Itália também expressaram preocupação.

"A crise não acabou e isto exige decisões fortes e até mesmo impopulares", afirmou Emma Marcegaglia, presidente da associação industrial italiana. A barganha política, segundo ela, "só piora as coisas."

O Senado começou a examinar o pacote de orçamento de austeridade, e possíveis emendas devem mudar seu foco e impacto.

Mas mesmo se a medida para forçar fusões de cidade pequenas for retirada, Sellari, o aspirante a príncipe de Filettino, disse que vai seguir adiante com seus planos monárquicos. Ele se reuniu na segunda-feira com um dos advogados mais famosos da Itália para examinar a legalidade envolvida na secessão – detalhes constitucionais que ele disse ter certeza que podem ser superados.

"É parte do lema do principado", disse ele. "'Nec Flector, nec frangor' – não vamos nos curvar ou quebrar quando se trata dos nossos planos."

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