Catolicismo Romano

Notas para uma sociologia da crise contemporânea

O texto abaixo é transcrição de um áudio meu enviado pelo WhatsApp para um amigo; dei-lhe uma recauchutada e só. Desde já, peço desculpas pela ausência de coesão e refino linguístico.

Três problemas sociológicos tem de ser apontados. O primeiro é a crise social gerada pelo eclipse da Igreja. Antigamente, pessoas dotadas de uma personalidade inclinada aos estudos, por terem mais facilidade para obter cultura literária, requisito indispensável à leitura do Evangelho, eram integradas naturalmente ao clero. Este não era só composto dos padres e bispos, mas dos religiosos em geral, que faziam parte do corpo administrativo em suas variadas funções. A assistência ao clero era feita por meio de dízimo, doações, obras de caridade, enfim, de toda a riqueza que fluía para a Igreja por livre iniciativa dos leigos, ricos ou não. Contudo, hoje em dia, pela infiltração de traidores, ativistas e agitadores, essas vocações não são mais estimuladas; ao contrário, são inibidas, boicotadas, sufocadas; aqueles que têm verdadeira aspiração à vida contemplativa — ou intelectual, tanto faz — não podem obter dela benesses nem por meio da Igreja, infestada de vigaristas nos altos postos, sendo portanto fonte corruptora de almas, nem por meio das universidades, tomadas de assalto por picaretas iletrados, militantes metidos a estudiosos.

A estrutura social não permite aos brâmanes a vazão da vida contemplativa nas instituições que teoricamente os representam 1 . Essas pessoas, cujas obrigações materiais não reverberam no espírito com aquela necessidade férrea que se observa no homem vulgar, sentem-se deslocadas, não conseguem se instalar no mundo profano por não terem muito bem consciência do que fazer, de como serem produtivas nesse meio. Noutros tempos, o sujeito que tinha apreço pelos estudos simplesmente entrava numa ordem, numa congregação, em qualquer órgão eclesiástico em que houvesse uma estrutura pronta — “Olha, está tudo aqui, meu filho: a gente planta isto, cria isto, rezamos a tal hora, nossa rotina é esta.” O sujeito se instalava ali sem drama, as questões práticas lhe eram resolvidas — “Eu sei que tenho de plantar estas sementes hoje, ordenhar a vaca amanhã, estudar em tal hora, rezar a tal e tal hora, recolher-me a tal hora. Há aqui uma autossuficiência, e, se não dermos conta do recado, sei que alguns irmãos leigos irão nos ajudar”. Era o mínimo para que ele pudesse direcionar o seu espírito às coisas superiores.

Milhares e milhares de brâmanes estão jogados no mundo sem saber o que fazer porque nem a Igreja nem as universidades lhes dão condições de aflorar sua vocação. Homens e mulheres perdidos em seu meio não só pela falta de apoio familiar — no mais das vezes irrelevante, visto que os pais não têm experiência na atividade escolhida pelo filho —, mas também comunitário, pois fôra o tempo em que a Igreja era uma assembléia em sentido pleno do termo, e a sociedade, expressão terrena dessa comunhão espiritual. A Igreja de hoje é um aglomerado de cabeças confusas que se reúnem aos domingos — quando muito — movidas pelo desejo comum de enganar-se umas às outras.

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O segundo problema é que o esfacelamento, a atomização da sociedade, a desagregação das comunidades, das famílias, fez com que se tornasse cada vez mais caótica uma ascensão social que não fosse por meios típicos da vida moderna. Numa família cujo pai exerce uma determinada atividade, o filho que decidisse continuar na mesma atividade teria uma facilidade maior para alcançar a independência por ter alguma familiaridade — ao menos indireta — com o trabalho dos pais, e por receber o suporte deles.Isso não ocorre em famílias nas quais nem o pai nem a mãe exercem a atividade desejada pelo filho. Por exemplo, no caso em que o pai é um funcionário público modesto, de nível básico — portanto, de classe baixa —, e o filho deseja ser engenheiro, advogado ou médico — embora nesta última opção se desfrute de uma estrutura que permite ascensão com pouca retaguarda social —, este terá dificuldades para obter uma posição, um status, demarcando território naquele setor, porque carece de contatos, conhece pouco os representantes da classe que o compõe — no máximo, seus professores, quando estes ainda estão ativos no mercado. Pela falta de inserção naquela cultura de trabalho, ele terá problemas. Pior ainda, com essa oferta abusiva de diplomas, a concorrência aumentou, porém só nos grandes centros, haja vista que o país não dá condições de espraiamento dos profissionais por todo o território, de modo que os novos diplomados se concentram nos principais vetores econômicos, onde as cartas já estão marcadas para tais e tais pessoas ou grupos econômicos. Se o sujeito não dispuser do famoso QI (Quem Indica), ele não terá para onde correr; restar-lhe-ia, portanto, a sorte em algum cantão Brasil adentro; no entanto, se não detiver um mínimo de experiência, poderá boiar. Em tese, a combinação universidade mais estágio deveria lhe dar os instrumentos básicos ao exercício profissional, mas sabemos que nem o primeiro nem o segundo vingam num lugar cujo desprezo ao conhecimento — o que inclui obviamente o desprezo por sua transmissão — é norma.

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O terceiro problema, mencionado pelo professor Luiz Gonzaga de Carvalho Neto em aula 2 , é a completa falta de sentido de boa parte das atividades profissionais hoje em dia. O sujeito é pago para fazer algo cuja finalidade ou não tem objetivamente sentido nenhum, ou, subjetivamente, não se vê nela sentido nenhum. Em alguns casos, emana de uma inutilidade — entretenimento de quinta, futilidade, divertissement —; noutros, calca-se num erro já provado — imaginem quantos empregos não são sustentados tão- somente pelo mito de que o colesterol é um vilão da saúde… Ou então os meios pelos quais aquele objetivo é alcançado são imorais ou ao menos contrários a uma visão correta de mundo. Objetivos eivados de uma retaguarda histórico-cultural maligna— e aí já se vão séculos de loucura da mente ocidental, atolada sob camadas de erros.

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Gerações atrás, caso o sujeito entrasse em desgraça material, ele poderia pedir socorro à Igreja, que, em resposta, lhe doava terras produtivas a fim de garantir-lhe pelo menos sua sobrevivência física. Mas os tempos áureos da Igreja passaram e, se alguém entrar em falência hoje, não há garantia de ajuda nem mesmo por parte dos parentes; os vizinhos são desconhecidos, os bancos são sanguessugas, o governo é corrupto e corruptor. Mais ainda: a urbanização tornou o homem citadino refém da tecnologia agrária moderna, incapaz de, por si mesmo, obter da terra o básico para o seu sustento. A fragmentação social descambou na titaniquização das relações humanas: é um salve-se quem puder e os donos do bote nos exigem a alma — ¿Qué hacer?

(Por Paulo de Tarso Ferreira, engenheiro civil – 14 de fevereiro de 2019)

Referências:

1 Para uma compreensão da estrutura das castas, ao meu ver um dado antropológico universal, v. Olavo de Carvalho, Elementos de Tipologia Espiritual. Seminário de Filosofia Olavo de Carvalho. Obra esotérica.

2 Curso Santo Rosário, décima aula. Instituto Cultural Lux et Sapientia. Disponível no site: http://icls.com.br/.

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