
“Eu sou a voz do que clama no deserto: Endireitai o caminho do Senhor.” (Jo 1, 23)
Caríssimos fiéis,
Este caminho do Senhor é, sem dúvida — segundo o pensamento unânime dos Padres da Igreja e mesmo no sentido literal — a via estreita da santidade. E São João Batista é o primeiro que, como precursor de Jesus Cristo, foi enviado ao mundo para dá-la a conhecer, para prepará-la nos corações, para aplanar os obstáculos sem alargar a estrada, mas, sobretudo, para torná-la reta pelas santas regras que nos traçou, exortando-nos a nela entrar e segui-la: “Endireitai o caminho do Senhor”.
Via estreita, via única, capaz de nos conduzir à Vida, digo, à vida eterna: “Estreita é a porta, e apertado o caminho que leva à vida” (Mt 7, 14). Pois, desde o pecado original, ensina São Jerônimo, não há outro caminho para ir a Deus senão a via da mortificação.
No entanto, por uma consequência funesta do estado miserável a que o pecado nos reduziu, quantos ignoram esta via e não sabem discerni-la? Quantos, mesmo entre os que a buscam e creem tê-la encontrado, nela se perdem e se extraviam? De fato, aprendemos da Escritura que existe um caminho cujas aparências são enganosas, que os homens julgam reto, mas cujas saídas conduzem à morte: “Há um caminho que ao homem parece direito; mas o seu fim são os caminhos da morte” (Prov 16, 25).
A questão hoje, meus caros ouvintes, é preservar-nos de ilusão tão perigosa; trata-se de dar-nos uma ideia justa da severidade cristã. Não tomemos outro modelo senão João Batista. E, porque é pelo contraste com as trevas que a luz brilha mais intensamente, oponhamos a verdadeira severidade de São João àquela falsa severidade dos fariseus, que o Filho de Deus tantas vezes reprovou.
Quem jamais professou vida mais austera que o divino Precursor? Quem foi mais severo em seus costumes? Mas, notai bem: em sua própria severidade, ele foi um homem desinteressado, um homem humilde e um homem caridoso.
- Desinteresse perfeito: Poderia ser reconhecido em toda a Judeia como o Messias; sacerdotes e levitas estavam prontos a saudá-lo como tal. Mas, sem se deixar seduzir pelo brilho de dignidade tão augusta, ele protesta que não apenas não é o Cristo, mas nem sequer profeta: “És tu profeta? E respondeu: Não” (Jo 1, 21).
- Humildade heroica: Longe de aceitar a oferta, confessa não ser digno de prestar ao Messias os serviços mais vis, nem de desatar as correias de suas sandálias: “Do qual eu não sou digno de desatar a correia do calçado”.
- Caridade pura: Se ele tem dureza, é para consigo mesmo; no mais, emprega todo o ardor de seu zelo para instruir os povos e ganhar os corações para Jesus Cristo. Eis o que chamo de uma severidade verdadeiramente evangélica. Eis o que faltava aos fariseus e o que falta a tantos outros que herdaram os vícios desses falsos devotos: “Ai de vós!”. Eles se vangloriavam de uma piedade severa, mas qual era o seu fundo?
O interesse, o orgulho secreto e a dureza implacável para com o próximo. Tiremos daqui, caros fiéis, três regras para julgar a nossa severidade: ela deve consistir num pleno desinteresse (I), numa sincera humildade (II) e numa caridade paciente (III). É pelo corte do interesse — ou melhor, da cobiça que se apega ao interesse — que deve começar a circuncisão do coração. Sem isso, é impossível entrar na via estreita. Ouvi o primeiro adágio da moral de Cristo: “Assim, pois, qualquer de vós, que não renuncia a tudo o que possui, não pode ser meu discípulo” (Lc 14, 33). Quem não renuncia de espírito e coração a tudo o que tem, é incapaz de ser meu discípulo. Cristãos, ouçamos bem: a medida da severidade cristã não é a dificuldade das penitências que fazemos, nem o exterior austero.
Tudo isso pode subsistir com os mais vergonhosos relaxamentos. A marca infalível é o desinteresse absoluto. Por que digo isso? Porque, como raciocina São João Crisóstomo, as coisas mais penosas tornam-se suportáveis e até agradáveis à vista de um interesse humano. O avaro que se priva de comer para acumular dinheiro vive uma vida “austera”? O funcionário bajulador que engole sapos e humilhações para subir de cargo é um “mortificado”? Não. O que os move é o amor-próprio. Onde reina o amor-próprio, não há severidade evangélica. Mais ainda: uma vida exteriormente religiosa e regrada não prova, por si só, a verdadeira severidade. Pode haver ali um interesse oculto, onde a piedade se mistura com a vaidade. Santo Agostinho fala daqueles que “fazem do ser severo um interesse”, uma política para serem estimados no mundo. Olhemos os fariseus. O que lhes faltava em rigor exterior? Nada. No entanto, Jesus Cristo, a Doçura encarnada, nunca os suportou. Por quê? Porque eram mercenários. Usavam a religião para dominar os espíritos e, pior, para devorar as casas das viúvas sob pretexto de longas orações (“Ai de vós… que devorais as casas das viúvas”).
Se, infelizmente, nós usarmos a religião para “vencer na vida”, para criar conexões, para obter proteção, para manter uma imagem social… São Paulo profetizou que viriam tempos onde homens de mente corrompida julgariam que a piedade é fonte de lucro: “Homens… que estimam ser a piedade fonte de lucro” (1 Tim 6, 5). Se nossa “vida reformada” é apenas uma estratégia para sermos bem-vistos, para ganhar confiança nos negócios ou para subir na hierarquia, não há aí vestígio de Cristianismo. Receberemos nosso pagamento aqui, e vergonha diante de Deus.
Examinemo-nos: somos rígidos nas palavras, defendemos a moral, censuramos os costumes do século. Mas, quando se trata do nosso interesse — um negócio, uma herança, um cargo — somos tão desprendidos quanto dizemos? Ou aí a nossa severidade desaparece e encontramos mil razões para agir como os pagãos? A verdadeira severidade é desinteressada. Ela busca a Deus por Deus. “É, sem dúvida, grande fonte de lucro a piedade com o contentamento” (1 Tim 6, 6). A piedade é um grande lucro, se nos contentarmos com Deus. “É nos melhores frutos que se formam os vermes”, diz Santo Agostinho, “e é às virtudes mais excelentes que o orgulho se apega”. A severidade de vida é o fruto mais requintado do Cristianismo, mas é o mais exposto à corrupção da soberba. Ser humilde e ser severo consigo mesmo não são duas coisas distintas. No entanto, quão comum é vermos a separação! Jesus Cristo atacou os fariseus porque, através do véu da severidade, viu o orgulho. Eles confiavam em si mesmos como justos e desprezavam os outros: “E desprezavam os outros” (Lc 18, 9). Jejuavam para parecer jejuar. Queriam os primeiros lugares. E nós? Será que essa “severidade de ostentação” morreu com a Sinagoga? Não. O orgulho insinua-se até na penitência. Mal começamos uma vida mais regrada, o demônio do orgulho nos ataca. Começamos a nos achar “os eleitos”, “os puros”, distintos da massa condenada. Temos uma piedade desdenhosa. Olhamos para os outros com uma compaixão que, no fundo, é desprezo.
Queremos praticar o cristianismo severo, mas queremos a honra disso. Retiramo-nos do mundo, mas queremos que o mundo saiba que nos retiramos. Deixamos o luxo das roupas, mas nos apegamos à vaidade do nosso próprio juízo. E o mais grave: erigimo-nos em juízes. O leigo quer reformar o clero, a mulher quer dirigir o marido, o ignorante quer ensinar a Igreja. Sob a cor da piedade, o que se quer é dominar. Ora, o orgulho destrói a substância da severidade. A verdadeira severidade é combater a natureza. O orgulho alimenta a natureza. Fazer mais do que se deve (obras de conselho) muitas vezes é mais fácil do que fazer o que se deve (obras de preceito), porque o “extra” nos traz glória pessoal, enquanto o dever cumprido nos faz apenas servos inúteis (“Somos servos inúteis”).
Qual é, pois, a verdadeira austeridade? É ser humilde. É ser pequeno aos próprios olhos. É a lição de São Bernardo: “Ama ser desconhecido”. Ama que ninguém fale de ti, que ninguém te elogie. Muitas vezes, a verdadeira mortificação para uma alma vaidosa é permanecer na via comum, sem singularidades, onde a vida está escondida com Cristo em Deus (“A vossa vida está escondida com Cristo em Deus” – Col 3, 3).
Aparentemente, a severidade e a caridade se opõem. A caridade é doce, suporta tudo; a severidade é rígida, não perdoa nada. Como conciliá-las? Santo Agostinho resolve: O Salvador nunca pretendeu que tivéssemos severidade para com os outros, mas apenas para conosco; nem que tivéssemos essa indulgência para conosco, mas apenas para com os outros. A caridade para com o próximo é a matéria mais abundante da severidade para consigo mesmo. Para ser caridoso como São Paulo descreve — paciente, benigno, sem inveja — quanta violência não devemos fazer a nós mesmos?
- Para suportar o gênio difícil daquele parente, quanta mortificação interior?
- para calar diante de uma provocação, quanta severidade com a própria língua?
- para ceder em nossos direitos pelo bem da paz, quanta abnegação do amor-próprio?
Dai-me um homem que não saiba se mortificar, e ele jamais será verdadeiramente caridoso. Mas o que fazemos nós? Invertemos a ordem. Usamos a severidade contra o próximo e a indulgência conosco. Tornamo-nos devotos, mas tornamo-nos insuportáveis. Críticos, censores, rabugentos. A nossa “piedade” nos dá o direito de não tolerar nada em casa? De ver um cisco no olho do irmão e ignorar a trave no nosso? Se a nossa devoção serve para fomentar nossos ressentimentos, para nos tornar vingativos ou fofoqueiros sob a capa de “zelo pela verdade”, a nossa piedade é falsa.
Lembremo-nos da repreensão de Cristo: “Pagais o dízimo da hortelã e do endro…” (Mt 23, 23). Nós somos exatos em pequenas práticas de devoção, mas esquecemos o essencial da lei: a justiça e a misericórdia. Temos escrúpulo de omitir uma oração vocal, mas não temos escrúpulo de destruir a reputação do próximo com a maledicência.
Temos medo de engolir um mosquito, mas engolimos camelos. E aqui me permitam esclarecer um pouco mais: o hábito do juízo temerário é um obstáculo sério à perfeição. Ele é, antes de tudo, uma falta contra a justiça e a caridade. Consiste em condenar o próximo com base em meras aparências ou preconceitos, sem conhecimento suficiente dos fatos ou das intenções alheias; tal atitude equivale a usurpar o direito que pertence somente a Deus, o “único juiz supremo dos vivos e dos mortos”. Devemos compreender que, ao julgar sem conhecimento, comete-se uma verdadeira injustiça para com o próximo.
Não obstante, a maledicência também é listada como um hábito que constitui uma falta venial de propósito deliberado podendo ser pecado grave dependendo da matéria, a qual precisa ser combatida urgentemente em nossas vidas. A maledicência é uma falta contra a justiça e a caridade, e é definida como o ato de manifestar aos outros as faltas ou defeitos secretos do próximo. Gravemos isto em nossos corações: mesmo que as falhas reveladas sejam reais, não temos o direito de as divulgar enquanto forem secretas, ou seja, enquanto “não são do domínio público”.
Os prejuízos causados pela maledicência são considerados graves, pois ela contrista o próximo, diminui a sua reputação e autoridade e, como bem sabemos, “muitas vezes causa prejuízos quase irreparáveis”. A própria dificuldade em reparar estritamente a injustiça cometida pela maledicência e pela calúnia deve servir como motivo suficiente para nos abstermos de cometer tais pecados. Em suma, a maledicência é como um dos “escolhos das tribulações” que ameaçam a nossa alma, postando-se perigosamente ao lado da soberba, da ambição e da inveja.
Voltando ao tema do sermão de hoje. É a imagem da piedade do nosso século: muitas comunhões, mas nenhuma paciência com o marido ou a esposa; muitos rosários, mas nenhuma vitória sobre o mau humor.
Comportamo-nos como crianças (“Não sejais meninos no juízo” – 1 Cor 14, 20), que choram por um brinquedo, mas não se importam se a casa pega fogo. Afligimo-nos por uma distração na oração, mas não nos importamos em ferir a caridade mortalmente.
Devemos então abandonar as práticas de piedade? Não. “Devíeis fazer estas coisas, sem omitir aquelas” (Mt 23, 23). Devemos fazer estas coisas, sem omitir aquelas. Sejamos severos, sim; sejamos exatos.
Mas que a nossa severidade seja sólida. E ela o será se for desinteressada (buscando só a Deus), humilde (desconfiando de si) e caridosa (suportando o próximo).
Por este caminho estreito, mas seguro, chegaremos à perfeição do Evangelho e à glória que vos desejo.
Fonte: IBP-SP – Instituto Bom Pastor



