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Escritor italiano Roberto Saviano denuncia a máfia juvenil da Itália

O jornalista Roberto Saviano é um personagem controverso na Itália. E quanto mais se vê perseguido, mais ganha fama. Seus artigos e livros sobre o “Sistema” — como ele define o tráfico mundial de drogas — despertaram a ira da Camorra, a máfia de Nápoles, e dos políticos. Jurado de morte há 13 anos, Saviano vive mudando de endereço, e está sempre cercado de seguranças. Apesar disso, publica artigos em grandes jornais, participa de programas e séries de televisão e lança livros que desmascaram clãs criminosos locais e seus tentáculos em outros países.

Nos últimos 17 anos, Saviano lançou nove títulos, entre romances, ensaios e coletâneas de contos. Nem sempre é elogiado. Já foi acusado de plagiar material jornalístico alheio e de trazer a seus livros passagens inteiras da Wikipedia. Para melhorar a reputação, tem tentado experimentar com a linguagem em textos recentes.

Seu último romance, “Os Meninos de Nápoles”, em dois volumes, está sendo publicado no Brasil pela Companhia das Letras. O primeiro, “Conquistando a Cidade”, de 2016, sai agora; o segundo, “Baccio Feroce” (Beijo Feroz), até o fim do ano. A obra se inspira em fatos reais, como é hábito de Saviano. Ele aborda agora a ascensão da máfia “millenial” em Nápoles. São as “paranzas”, quadrilhas de adolescentes que pilotam motonetas e praticam delitos à margem da Camorra. O termo “paranza” designa barcos pesqueiros e um refogado de frutos do mar. Daí a “paranzas” de meninos, formadas por refugos sociais que se vestem com trajes esportivos de grife e passam o dia no videogame e nas redes sociais. Em vez do glamour da máfia antiga, os jovens aprendem a matar e praticar roubos pelo YouTube.

“A máfia precisa da democracia. Quanto mais livre o mercado, melhor para o crime organizado” Roberto Saviano, escritor.

O livro segue as aventuras de uma “paranza” de onze garotos liderada pelo estudante Nicolas Fiorillo, o Marajá. Ele desafia ostensivamente os dois clãs rivais da cidade. Para ampliar a eficiência do tráfico, substitui a ditadura hierarquizada da Camorra tradicional por um modelo anarquista. Os meninos praticam uma cultura própria, alinhada com o rap e o consumismo. Eles se expressam por meio de um dialeto urbano, que Saviano buscou imitar nos diálogos. “Ao ouvir a maleabilidade dessa língua, senti que eu podia, aqui e ali, forçar o caminho para uma oralidade viva, mas reconstruída na escrita”, afirma Saviano.

A oralidade foi tão bem traduzida para o português por Solange Pinheiro que o leitor tem a sensação de ouvir o “dialeto bastardo” recriado por Saviano.

O romance chegou ao cinema. Em 12 de fevereiro, estreou na Europa o longa “La Paranza dei Bambini”, dirigido por Claudio Giovannesi, com colaboração do escritor. O filme — que deve estrear no Brasil neste semestre com o título estranho de “Piranhas” — ganhou o Urso de Prata na Berlinale. Dessa vez, não só a máfia se enfureceu. Irritado com a participação de destaque de Saviano em Berlim, o vice-primeiro-ministro Matteo Salvini ameaçou-o de lhe retirar a escolta. “Não vou me deixar intimidar”, disse Saviano.

“É preciso mostrar que estão ocorrendo fatos graves. A Europa não é um território seguro para quem escreve sobre a realidade.” Em 2018, ele acusou Salvini de ligação com a máfia e responde a um processo de difamação.

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