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ESPECIAL: Possível eleição de Monti remete novo tipo de democracia na Itália – Por Pablo Ordaz

Há um ano e dois meses, em um momento de grande dificuldade para a Itália, os poderes fortes do país decidem pôr à frente do governo um primeiro-ministro técnico e praticamente obrigam todos os partidos políticos a apoiá-lo no poder, sob duas promessas: estará acima dos interesses partidários e só por um período de tempo limitado – a primavera de 2013.

Quando o tempo termina, as promessas são vãs. O técnico se transforma em político e, aproveitando a imagem de homem eficaz conquistada em grande parte graças ao apoio da centro-esquerda e da centro-direita, se apresenta solenemente como o salvador da Itália e ao mesmo tempo começa a atacar os que o apoiavam no poder.

Para completar a jogada perfeita — na realidade, estamos falando de um político muito hábil- -, decide apadrinhar uma chapa de centro, escolhendo cuidadosamente os candidatos, mas sem se colocar à frente para não perder sua condição de senador vitalício.

O resultado é realmente novo: dentro de um mês e meio, Mario Monti poderá se transformar pela segunda vez consecutiva em primeiro-ministro da Itália sem jamais ter-se submetido ao exame das urnas.

A Itália se dispõe a testar — e talvez a exportar — um novo modelo de democracia. A questão é determinar quão democrático ele é. Será muito interessante observar até que ponto os partidos tradicionais, com sua carga pesada de princípios a cumprir, facções a contentar, favores a retribuir e um longo currículo de erros, podem enfrentar a versatilidade de um candidato imaculado e com o apoio dos que realmente mandam em um país.

O problema é que se trata de manobras com fogo real, com eleições gerais próximas — em 24 e 25 de fevereiro — e com várias perguntas ainda por responder. Em que momento ocorreu a metamorfose do professor?

Quando Monti decidiu — contrariando suas próprias promessas — que seu empenho técnico era só a antessala de um projeto de mais longo fôlego? Tal decisão obedece só a uma ambição pessoal, ou, como suspeitam setores da esquerda, a um plano minuciosamente traçado pelos fortes poderes — os visíveis e os invisíveis — que sustentam sua candidatura?

O principal prejudicado pelo sobressalto de Monti na política é Pier Luigi Bersani, o candidato da centro-esquerda que todas as pesquisas ainda indicam como possível vencedor. É, além disso, o único candidato que levou a sério o discurso de renovação política que Monti pregava.

Nos últimos meses, o Partido Democrático (PD) se submeteu voluntariamente a um minucioso processo de primárias, não só para escolher seu candidato a primeiro-ministro, como também a composição de suas chapas.

Bersani conseguiu a vitória sobre Matteo Renzi, o jovem e carismático prefeito de Florença, que há alguns dias, observando a metamorfose de Monti, não hesitou em qualificá-lo: "O professor se transformou em um demagogo".

Monti abraçou sua nova profissão de político com verdadeira força. Seu duelo midiático com Silvio Berlusconi por conta do imposto sobre a moradia foi uma surpresa para os que confiavam em que o professor se manteria nos trilhos do rigor. É o que explicava o jornalista Francesco Merlo nas páginas de "La Repubblica":

"Berlusconi lhe transmitiu a demagogia eleitoral junto com a obsessão catódica, o narcisismo. Em duas semanas, na Itália já são dois os contaminados pela doença da televisão".

Embora não seja a mesma coisa, continuava Merlo, Berlusconi dizer que entende "quem evade os impostos" – afinal, o ex-primeiro-ministro foi condenado por evasão -, e Mario Monti aparecer com a promessa eleitoral de diminuir os impostos depois de anos praticando o contrário:

"Os vícios de Silvio Berlusconi estão se transformando nos prazeres de Mario Monti. Os dois se perseguem como Tom e Jerry, e ninguém entende quem é Berlusconi e quem é Monti, quem é o gato Tom e quem o rato Jerry…".

A desculpa de Monti, ou de seus mentores, para aterrissar na política foi a necessidade de devolver à Itália o prestígio internacional que a desastrosa e imoral gestão de Silvio Berlusconi foi destruindo. Agora, a desculpa para ficar é a mesma.

Berlusconi, a mentira midiática

Depois de duas décadas de escândalos, sexo e mentiras, a Itália continua descobrindo Silvio Berlusconi. Há um mês o ex-primeiro-ministro parecia expulso da política, sem norte – num dia dizia que atirava a toalha para sempre, e no dia seguinte que regressava para reaver seu orgulho –, dono de um partido mergulhado no poço negro da corrupção, destinado a uma condenação iminente por indução à prostituição de menores.

Agora Berlusconi passeia triunfante pelos palcos, conseguindo que mais de 9 milhões de espectadores se sentem durante três horas diante da televisão para ver seu duelo mortal com o jornalista Michele Santoro, seu mais feroz inimigo midiático há 11 anos.

Foi Berlusconi quem, em abril de 2002, acusou Santoro e outros dois jornalistas da RAI de praticar um uso "criminoso" da televisão e ordenou sua demissão. Agora, à frente do programa Serviço Público do canal 7, o popular jornalista arremete semana após semana contra Berlusconi, ajudado de forma muito eficaz por Marco Travaglio, subdiretor de "Il Fatto Quotidiano" e uma das penas mais incisivas do jornalismo italiano. Há alguns dias, Santoro convidou todos os candidatos para participar de seu programa.

A surpresa foi que o primeiro a aceitar o desafio foi Berlusconi. A noite de quinta-feira se prometia sangrenta. Muitos espectadores sentaram-se diante do televisor na esperança de ver desfilar o cadáver midiático de "Il Cavaliere". Aos 76 anos e com tantas vergonhas para esconder, quanto tempo ele levaria para se erguer e abandonar o estúdio?

Mas não foi o que aconteceu, muito pelo contrário. Berlusconi foi ao canal 7 empunhando sua melhor arma, a mentira. Utilizou-a sempre que preciso, bem disfarçada de populismo — o magnata é um especialista em prometer o que todo mundo sabe e depois não cumprir — e de ímpetos teatrais de indignação ou bom humor.

Quase no final do programa, Berlusconi conseguiu que fosse Santoro quem perdesse os papéis, o caçador caçado, e que todos reconhecessem que o velho jogador da política italiana é um osso muito duro de roer. Se foi capaz de tirar do juízo dois jornalistas com tantas informações e tão bem documentados quanto Santoro e Travaglio, o que poderá acontecer quando enfrentar Pier Luigi Bersani ou Mario Monti?

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