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ESPECIAL: Primeiro-ministro italiano Matteo Renzi terminou 2014 como a última esperança da Itália

Em 17 de janeiro de 2014, Matteo Renzi escreveu em seu perfil no Twitter: "Enrico, fique tranquilo, ninguém quer roubar seu lugar".

A mensagem era direcionada ao então primeiro-ministro da Itália, seu correligionário Enrico Letta, que se via ameaçado pelo prefeito de Florença e recém-eleito secretário do Partido Democrático (PD).

Menos de 40 dias depois, Renzi assumia o governo italiano e relegava Letta ao ostracismo. Esse é um dos vários casos que ilustram o modus operandi de um premier impetuoso, que foi apelidado em seu país de "rottamatore" ("reciclador", em tradução livre).

Renzi, de 39 anos, galgou degraus prometendo expulsar políticos tradicionais e cheios de velhos vícios e levar o vigor da juventude às esferas do poder público.

Com menos de três meses como líder do PD, de centro-esquerda, ele articulou a derrubada de Letta por meio da retirada do apoio da legenda ao então primeiro-ministro. Logo em seguida, foi escolhido pelo presidente Giorgio Napolitano para formar um novo gabinete e, no dia 26 de fevereiro, Renzi tomou posse do Palácio Chigi, tornando-se o premier mais jovem da história da Itália e o terceiro seguido a não passar pela chancela das urnas.

Mas a falta de votos não lhe faz menos popular. Durante todo o ano, ele apareceu nas pesquisas como o político mais admirado e confiável do país. Em maio, o PD saiu das eleições para o Parlamento Europeu como a sigla mais votada do bloco. Seus projetos de reforma e seus inúmeros slogans ganharam adeptos de norte a sul.

E, para ajudá-lo, não há nem de longe uma opção viável a ele. "Aquilo que o torna mais forte, mais do que sua maioria parlamentar, é o fato de que ele não tem neste momento uma alternativa. A direita está dividida", afirma Roberto D'Alimonte, professor de sistema político italiano na Libera Università Internazionale degli Studi Sociali (Luiss) Guido Carli.

Logo nos primeiros dias de seu mandato, Renzi anunciou uma série de reformas para resgatar um país afundado na crise econômica e tirá-lo, segundo suas próprias palavras, do pântano. "O balanço é bastante positivo por uma razão fundamental: ele conseguiu recuperar a confiança na política, no governo e na Itália em um contexto de crise econômica que dura desde 2008", diz Mauro Barisione, professor do departamento de ciências sociais e políticas da Università degli Studi de Milão.

Promessas

Reforma eleitoral, do Senado, da administração pública, fiscal, judiciária, do mercado de trabalho, educacional… Foram muitos os projetos apresentados por Renzi nos primeiros 10 meses de sua administração.

Alguns conseguiram ser aprovados, como o controverso "Jobs Act", conjunto de medidas que flexibiliza a legislação trabalhista local, e outros ainda tramitam no Parlamento, como o fim do bicameralismo paritário. É verdade que atualmente o premier não está logrando a maioria dos prazos que prometera, mas também é certo que todas essas iniciativas demonstram um desejo de mudança, em sintonia com boa parte do país.

No entanto, em alguns momentos o ímpeto reformista levou Renzi a alianças contestadas. Para garantir que a nova lei eleitoral elaborada pelo seu governo não fosse bloqueada no Congresso, ele precisou costurar um delicado acordo com um de seus principais adversários, o senador cassado Silvio Berlusconi, líder do conservador Forza Italia (FI).

Além do famigerado apelido de "Renzusconi", a aproximação entre os dois provocou inevitáveis comparações de seus estilos, apesar das diferenças ideológicas. Não são poucos os que dizem que Renzi se assemelha em algumas coisas a Berlusconi, que arrebatou os italianos no início dos anos 1990 com a promessa de modernizar o país.

"Sem dúvidas existem algumas afinidades, principalmente a capacidade de se comunicar por meio de um estilo quente, extrovertido, direto e até espirituoso na televisão. Além disso, ele tornou o Partido Democrático um 'partido do líder', como jamais alguém havia feito antes", explica Barisione.

De resto, Renzi passa longe de escândalos – uma marca indelével do ex-Cavaliere – e adota uma postura até mais pragmática. No final do ano, o premier não viu problemas em enfrentar um dos maiores tabus da esquerda e do PD ao defender a flexibilização das leis trabalhistas, medida que lhe rendeu protestos por todo o país, apoiados por sindicatos, oposição e até mesmo uma ala do Partido Democrático.

União Europeia

O desejo de mudança encarnado por Renzi não fica restrito às fronteiras de seu país, mas chega também aos quarteirões de Bruxelas que abrigam os prédios da União Europeia. Nas eleições para o Parlamento Europeu, em maio, o PD obteve 40% dos votos na Itália, um resultado inédito que o tornou a legenda mais popular do bloco.

A aprovação conferida pelas urnas lhe deu a força necessária para defender um discurso de incentivo ao crescimento econômico, em oposição à austeridade fiscal pregada pela Alemanha, pelo Banco Central Europeu (BCE) e pela Comissão Europeia.

"Sobre a Europa, a posição de Renzi é muito clara. Seguramente, ele é a favor. O seu partido é o mais europeísta da Itália. Mas Renzi é também crítico da posição europeia, e em particular alemã, sobre a austeridade. Ele gostaria de uma política um pouco menos atenta ao rigor fiscal e mais focada no crescimento", salienta D'Alimonte.

Dono de uma postura decidida, o primeiro-ministro italiano já impôs uma conterrânea no cargo de alta representante para Política Externa da UE (Federica Mogherini), bateu-boca com o novo presidente da Comissão Europeia (Jean-Claude Juncker) e criticou publicamente o Bundesbank, o banco central da Alemanha.

Tudo isso provocou certo mal-estar em Bruxelas, mas Renzi parece não se importar. Do alto de sua popularidade, o mais jovem premier da história da Itália não pede licença para agir, doa a quem doer.

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