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Governo italiano tenta bloquear principal rota de imigrantes ilegais

A rota marítima mais utilizada pelos imigrantes africanos que se arriscam a atravessar o Mediterrâneo em botes para chegar à Europa está bloqueada. As águas que cercam a ilha siciliana de Lampedusa, a 130 quilômetros da Tunísia, vêm sendo vigiadas por embarcações militares da Itália, da Líbia e de Malta desde abril.

 

O objetivo do cerco é impedir que estrangeiros sem documentos alcancem o território italiano, onde poderiam pedir asilo político. Em terra, o Ministério do Interior italiano faz mutirão para retirar os "clandestinos" da ilha.

 

O bloqueio da faixa de terra rochosa e desértica de 6 mil habitantes, conhecida pelos naufrágios envolvendo imigrantes, foi ordenado pelo premiê italiano, Silvio Berlusconi, após negociação com o ditador da Líbia, Muamar Kadafi. O acordo estabeleceu uma força-tarefa dos dois países para vigiar o Mediterrâneo e, em especial, as Ilhas Pelagie, ponto mais ao sul da Itália, próximo da África. A ação busca interromper o fluxo de imigração que, em 2008, trouxe à ilha 33 mil estrangeiros, dos 36 mil que alcançaram a Europa por barcos.

 

A medida foi tomada depois que um bote com 250 imigrantes a bordo afundou na região em abril. Desde então, os três países intensificaram os esforços para impedir a chegada de estrangeiros. Roma também ordenou a fiscalização de todos os meios de saída da ilha e esvaziou os dois centros de retenção de Lampedusa, expulsando os imigrantes de forma sumária ou transferindo-os para outros "núcleos de identificação" espalhados no país.

 

"As condições para desembarques de imigrantes estão bloqueadas pela Guarda Costeira. As rotas dos imigrantes foram alteradas para outros pontos da Itália e de Malta", explicou ao Estado Mauro Buccarello, assessor da Prefeitura de Lampedusa. "Do ponto de vista político, o bloqueio foi saudável, pois reduziu a pressão migratória sobre a ilha e voltou a aumentar o turismo. Mas, do ponto de vista humanitário, a tragédia continua, pois nada mudou na origem, e os embarques continuam ocorrendo na Líbia, no Egito e na Tunísia."

 

A prova de que botes superlotados de africanos continuam a atravessar o Mediterrâneo ocorreu no dia 21, quando uma embarcação com refugiados de guerra da Eritreia foi resgatada no mar de Lampedusa com apenas cinco pessoas vivas. Após 20 dias à deriva, sem combustível, água ou alimento, 73 pessoas morreram e tiveram seus corpos jogados ao mar.

 

À rede de TV italiana Sky, Titi Tazrar, uma das sobreviventes, contou ter assistido a cada uma das mortes. "Éramos 20 mulheres, algumas grávidas. Duas delas perderam os bebês antes de morrer", disse a jovem, internada num hospital.

 

Organizações internacionais e ONGs instaladas em Lampedusa lembram que estrangeiros que atravessam o Mediterrâneo em botes são entre 5% e 10% do total de clandestinos que chegam à Itália todo ano. Dentre eles, 75% solicitam asilo político, dos quais 50% são aceitos pelos tribunais de Justiça – uma prova de que seus pedidos de refúgio são procedentes do ponto de vista jurídico.

 

"São pessoas que procuram ajuda porque estão fugindo de guerras, de ditaduras, de violências de toda ordem. Se arriscam suas vidas é porque têm boas razões para isso", diz Laura Boldrini, comissária da ONU para os refugiados.

 

Enquanto o drama humano continua em alto-mar, os fins de semana de sol agora trazem turistas a Lampedusa. Maria Argento, argentina casada com um italiano e moradora do balneário há sete anos, vê contradições no comportamento da população. "Quando um bote chega cheio de imigrantes, todos os tratam bem. Dão-lhes banho, roupas limpas, água, comida. Fazem tudo, mas os mandam embora", conta. "Nem os chamam de imigrantes, mas de clandestinos, de uma forma preconceituosa."

 

Porto clandestino

 

Lampedusa, a ilha mais procurada por quem cruza o Mediterrâneo em botes rumo à Itália, é um deserto de estrangeiros. Mesmo tendo recebido cerca de 33 mil imigrantes africanos só em 2008 – 75% a mais do que no ano anterior -, é praticamente impossível localizar um que resida na ilha.

 

Por ordem do governo italiano, os 1.800 que chegaram a viver no centro de detenção da cidade foram removidos e estão espalhados pelo país, uma medida que tenta livrar a ilha turística do estigma de porto dos clandestinos. O Estado localizou dezenas de náufragos resgatados em Lampedusa vivendo na cidade de Foggia, na Itália continental, a mais de mil quilômetros do porto de chegada.

 

Entre os imigrantes, há originários da Nigéria, da Eritreia, de Gana, da Somália, de Burkina-Faso, da Costa do Marfim e até de Bangladesh, entre outros. Em comum, todos têm a passagem por portos da Líbia, de onde embarcaram após pagar, em média, US$ 1 mil aos traficantes que exploram a imigração ilegal na região.

 

Charity Akhabue é uma das sobreviventes da travessia. Nigeriana de 20 anos, embarcou em novembro para a Europa na cidade de Suara, na Líbia, com outros 71 imigrantes africanos. Cinco dias depois, quando o combustível estava acabando, ela foi resgatada pela Guarda Costeira italiana nas imediações de Lampedusa.

 

"Nos últimos três dias, não tínhamos mais comida nem água", recorda-se. Desde sua chegada à Itália, Charity passou pelo centro de detenção de Lampedusa e por um centro de acolhimento na Sicília. Hoje, vive em Foggia à espera de trabalho. "Graças a Deus, vou receber meus documentos de refugiada", afirmou.

 

Um de seus amigos é Samuel Oleike, nigeriano de 25 anos, outra testemunha do drama. Recém-formado em engenharia mecânica, falando inglês com poucas falhas, contou ter chegado à Itália vindo de Trípoli, em 5 de abril, em uma das últimas levas antes que a Guarda Costeira italiana passasse a enviar os barcos de volta para a África.

 

Oleike aguarda o julgamento de seu pedido de asilo político, cujas razões não aceita comentar. "Temos problemas na Nigéria. Se tiver de voltar, não sei o que farei", diz, em tom angustiado. "Gostaria de ficar, de fazer algo na minha área, a engenharia. Tudo o que eu quero é trabalhar. Aceito qualquer coisa."

 

A também nigeriana Queen E., de 21 anos, obteve o status de refugiada, mas nada sabe sobre seu destino. "Eu gosto da Itália, mas vou ficar onde me aceitarem. Por enquanto, tenho de ficar no ‘campo’ (centro de detenção), porque ninguém me dá emprego", desabafa. "Os italianos não gostam de ver negros no centro da cidade, pegando seus ônibus ou trabalhando. Eles são racistas."

 

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