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Busto em vilarejo provoca debate sobre passado fascista da Itália

A vila de Affile, localizada ao leste de Roma, é conhecida por seu ar fresco, azeite e vinho – e seu apreço pelo ditador fascista Benito Mussolini, cuja imagem adorna algumas garrafas de vinho vendidas em bares locais.

Neste mês, a simpatia pelo fascismo na cidade foi motivo de intenso debate, quando o prefeito apresentou um memorial construído com financiamento público para um de seus mais controversos cidadãos: Rodolfo Graziani, um general que serviu sob o mandato de Mussolini, que foi acusado de crimes de guerra no final da Segunda Guerra Mundial e ganhou o título de "o açougueiro" durante a colonização da Itália do Norte da África nos anos 1920 e 1930.

O monumento, em um estilo que lembra arquitetura fascista, fica localizado na colina mais alta da cidade, com a bandeira italiana no topo e inscrições que dizem "Honra" e "Pátria". Dentro se encontra um busto de mármore de Graziani, cercado por cópias originais das primeiras páginas dos jornais do dia de sua morte, em 1955, uma placa de uma rua, antes dedicada a ele, e uma lista de seus atos.

A homenagem provocou duras críticas de políticos de esquerda e comentaristas de alguns jornais italianos, além de ter levantado questões mais profundas sobre a Itália, que começou a guerra ao lado das potências do Eixo e terminou com os Aliados, ter realmente conseguido chegar a um consenso em relação ao seu passado de guerra.

Em uma entrevista, Ettore Viri, o prefeito de Affile, rebateu as críticas. "A cabeça é uma doação de um cidadão", disse ele, olhando com orgulho para o busto, antes de rapidamente reconhecer que ele era o cidadão. "Na verdade, tinha ela na minha sala de estar", disse ele, acrescentando que doou grandes quantias de seu próprio dinheiro para manter a sepultura de Mussolini no norte da Itália.

No entanto, os adversários políticos do prefeito estão horrorizados com a homenagem de Graziani na cidade – e com os US$ 160 mil do dinheiro público que foram gasto para fazê-lo. Em um comunicado divulgado um dia antes da cerimônia de inauguração, Esterino Montino, líder regional do Partido Democrata, disse, referindo-se ao líder nazista Hermann Goering: "É como se uma pequena aldeia em alguma província alemã tivesse construído um monumento para Goering. O fato de que um escândalo como este é planejado em uma pequena vila fora de Roma não faz com que o episódio se torne apenas parte do folclore da província."

Em geral, no entanto, o memorial parece ter tido aceitação da maioria conservadora desta cidade de 1,6 mil habitantes. De acordo com vários participantes, mais de cem pessoas assistiram à dedicação, algumas delas segurando bandeiras de grupos extremistas de extrema direita e vestindo camisas pretas em homenagem ao Esquadrão Negro de Mussolini.

Para alguns, os crimes de Graziani na Segunda Guerra Mundial são pequenos em comparação com o que ele fez na África, matando centenas de milhares de pessoas – às vezes com armas químicas – e acabando com comunidades inteiras, especialmente na Eritreia.

Em Affile, muitos reconhecem Graziani mais como um garoto local que fez o bem do que o autor de alguns dos mais hediondos massacres em campanhas sangrentas de colonização de Mussolini.

Alguns estão mais enfurecidos com o financiamento do que pelo próprio monumento. "Não sou um fascista", disse Aldo Graziani, 72, um aposentado (sem parentesco), que entrou na conversa em um bar local. "Não estou incomodado com o monumento a Graziani. Estou um pouco incomodado pelo fato de que eles deveriam te-lo construído com seu próprio dinheiro, não com o dinheiro público."

Alguns estudiosos disseram que o fracasso da Itália em trazer os oficiais fascistas à justiça tem causado uma "memória seletiva" da era fascista, onde visões do passado se juntam ao longo das linhas políticas contemporâneas.

O mesmo é verdadeiro para a era colonial. Em comparação com o Reino Unido e a França, a Itália desenvolveu aspirações coloniais um pouco mais tarde, invadindo a Líbia em 1921 sob Mussolini e a Etiópia em 1935. Ainda hoje, poucos italianos estão particularmente conscientes dos episódios coloniais, que não têm sido central para o debate nacional.

Em Affile, muitos negam que Graziani tenha sido um tirano fascista, argumentando que ele apenas obedecia ordens de seus superiores. Mas alguns estão indignados com o monumento.

"Esta sempre foi uma aldeia de centro-direita", disse Donatella Meschini, 52, uma professora que atuou no Conselho da Cidade de 2003 até 2008 sob o mandato do único prefeito de centro-esquerda em Affile em 50 anos. "Mas depois desse memorial, o que podemos esperar? Que eles nos chamem para fazer ginástica no sábado na praça principal como a juventude fascista costumava fazer? "

"O dia 25 de Abril nunca aconteceu aqui", Meschini acrescentou, referindo-se ao dia da Libertação Aliada da Itália, em 1945.

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