Matteo Renzi é um primeiro-ministro com maioria estreita no Senado. Com a Itália sem uma lei eleitoral, precisa dos votos da oposição para aprovar suas reformas. Recorre ao ex-premier Silvio Berlusconi, que acalenta o desejo de influenciar em uma futura eleição para presidente da República. Renzi consegue os votos necessários e seu projeto é chancelado pelos senadores. Dias depois, escolhe sozinho um nome para a Presidência. Berlusconi se irrita, rompe a aliança, mas não há o que fazer. O jovem primeiro-ministro venceu mais uma.
Não é qualquer um que consegue fazer o homem que dominou a política italiana nas últimas duas décadas representar papel de ingênuo perante todo o país. Essa talvez seja a obra-prima do centro-esquerdista Matteo Renzi, de apenas 40 anos, quase a metade da idade de seu rival. Assim como em 2014, primeiro ano de seu mandato, 2015 foi um período agitado no Parlamento da Itália. Reformas, emendas, uma oposição furiosa, uma minoria da base aliada ainda mais, votações e mais votações, a começar pela mais importante de todas, a que elegeu o novo presidente.
A Itália iniciou o ano com a expectativa de saber quem seria o sucessor de Giorgio Napolitano, que anunciara sua renúncia no ocaso de 2014. Grosso modo, o Congresso – Câmara e Senado juntos – é dividido entre três forças rivais: o centro-esquerdista Partido Democrático (PD), de Renzi; o conservador Forza Italia (FI), de Berlusconi; e a legenda antipolíticos Movimento 5 Estrelas (M5S), do humorista Beppe Grillo.
Renzi precisava de um nome capaz de unificar sua sigla e atrair algum apoio fora dela. Sobre ele, pairavam os fantasmas dos 101 "franco-atiradores", os parlamentares do PD que, dois anos antes, na mesma legislatura, em voto secreto, barraram a eleição de Romano Prodi, indicado pelo partido, para a Presidência. Sua escolha então foi Sergio Mattarella, homem discreto, experiente, diplomático, como exige o cargo. Jurista renomado e membro da Corte Constitucional, ele provocou pouca resistência, a não ser no grupo de Berlusconi, que via mais um homem ligado à centro-esquerda ocupar o Palácio do Quirinale.
O PD votou compacto, Mattarella foi eleito, mas a frágil aliança com o FI, que vigorara durante todo o ano de 2014, foi para o espaço. "Foi uma grande sacada de Matteo Renzi para elegê-lo.
Ali que ele mostrou habilidade", diz a deputada ítalo-brasileira Renata Bueno, que não pertence a nenhum partido, mas integra a base aliada. Daí em diante, Renzi não precisava mais do ex-Cavaliere. Sem seu apoio, conseguiu que a reforma eleitoral fosse aprovada de forma definitiva na Câmara, onde possui uma maioria relativamente folgada. Seu único trabalho foi lidar com a ala mais tradicional do Partido Democrático – hoje minoria.
Negociações duras e manobras regimentais que caminharam no limite da legalidade resultaram em uma lei que entrará em vigor em julho de 2016, impondo uma série de mudanças no sistema eleitoral italiano. A principal delas é a concessão de um "prêmio de maioria" ao partido ou coalizão que obtiver 40% dos votos em um eventual pleito. Se ninguém alcançar esse patamar, será feito um segundo turno entre os dois mais votados para definir quem terá direito ao bônus, garantindo ao ganhador governabilidade, um artigo raro na história republicana do país europeu.
Além disso, o projeto fixa a cláusula de barreira para legendas entrarem no Congresso em 3% das cadeiras, diminuindo a influência dos "nanicos" na estabilidade do governo. A nova lei diz respeito apenas à Câmara, já que Renzi também conseguiu fazer avançar a reforma constitucional que acaba com o bicameralismo paritário na Itália, reduzindo drasticamente os poderes do Senado.
A chamada "Lei Boschi" – em referência à sua autora, a ministra para as Relações com Parlamento Maria Elena Boschi – transforma a Casa em uma "Câmara das Autonomias" formada por representantes regionais. Assim, os atuais 315 senadores seriam substituídos por 74 deputados estaduais e 21 prefeitos, todos escolhidos pelas Assembleias Legislativas de cada região italiana, seguindo indicações dos eleitores. Outros cinco membros ainda seriam nomeados pelo presidente da República, totalizando 100 "senadores", sendo que nenhum deles receberia salário.
O projeto ainda será votado novamente por Câmara e Senado, onde já foi aprovado, mas desta vez sem a possibilidade de apresentar emendas, o que facilita o processo. A tramitação culminará em um referendo popular, provavelmente no segundo semestre do ano que vem.
Maria Elena Boschi, aliás, é a personagem desses últimos dias de 2015 na política italiana. Ela virou alvo da oposição por seu pai ter trabalhado durante oito meses em um banco que recebera intervenção do governo Renzi. O episódio motivou uma moção de desconfiança contra ela – já rejeitada – e contra o próprio Executivo, que será analisada em 15 de janeiro do ano que vem.
Mas isso parece não preocupar o primeiro-ministro. Em declaração recente, ele disse que as tentativas de seus adversários de derrubá-lo seriam um "gol contra".
Apelidado de "rottamatore" ("reciclador", em tradução livre) no início de sua carreira política, fortalecido pela retomada econômica italiana e dono de uma personalidade impetuosa que o faz caminhar no limiar do aceitável – rivais chamam seus métodos de "ditatoriais" -, Matteo Renzi parece certo de que vai ampliar o placar em seu favor em 2016.
"Renzi é jovem, muito determinado e tem uma coragem quase arriscada. Em alguns momentos, chega a quase desrespeitar a democracia por não ouvir os outros partidos. Mas eu sou da opinião de que na Itália, pelo momento que ela está passando, tem de ser desta forma. Ele atua no limite do bom senso, mas eu vejo isso de uma forma positiva", afirma Renata Bueno.