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Festival de Veneza traz Vincent Gallo em dose dupla

O ator e diretor Vincent Gallo chegou a Veneza mascarado. Tinha o rosto coberto por aquele tipo de touca que deixa apenas os olhos à vista. E nem eles podiam ser detectados, já que por cima da máscara estavam os óculos escuros. Mas a identificação das malas entregou o dono e os paparazzi fizeram a festa. Depois coube aos jornalistas acompanhar o ator, agora de cara limpa, ou nem tanto, pois há o disfarce de uma barba, em duas atrações na tela.

A primeira foi exibida ontem à noite. Trata-se de Essential Killing, filme da competição dirigido pelo respeitado cineasta polonês Jerzy Skolimovski. No início da tarde de hoje foi a vez do filme do próprio Gallo, que fez questão dos créditos de diretor, ator, produtor, montador e responsável pela música de Promises Written in Water. Foi a sessão do concurso oficial mais disputada e lotada até agora, realizada numa sala de 1300 lugares. Ao final, plateia dividida entre poucos aplausos e algumas vaias, sem entender o motivo de tanto segredo, que levou mesmo o ator e diretor a proibir sinopse ou qualquer informação no catálogo oficial do evento.

Temos nesse caso um típico produto de egotrip, que prometia polêmica e escândalo como aconteceu no Festival de Cannes com The Brown Bunny, o filme anterior de Gallo, também com atuação sua. Neste talvez a expectativa tenha sido brindada com uma cena de sexo oral explícito, justificada pelo fato de que quem a protagonizava era o personagem feminino fantasma de um ex-amor do tipo vivido por Gallo. Pois agora sabemos que se trata de uma ideia recorrente, ou até pode se dizer fixa, do ator/diretor.

Embora não haja um novo sexo oral, o protagonista de Promises parece também obcecado pela morte de sua amante, que logo no início anuncia ter uma doença fatal. A partir daí, será Gallo em muitas cenas em conversas com o que pode ser apenas uma aparição da jovem, ou em contato com o seu cadáver, e finalmente, na cena que pretende ousadia, percorrendo muito de perto com a câmera os detalhes do corpo dela, inclusive o órgão sexual. Realizado num preto-e-branco granulado, de pretenso estilo de filme independente, Promises se presta em longas cenas a uma vaidosa auto-análise do ego masculino, por fim, vazia.

Pode-se explorar um ponto de vista muito mais consistente em Essential Killing, apesar dos defeitos do filme. Eles dizem mais respeito a alguns fatos dramáticos explorados por Skolimovski que não chegam a afetar a proposta. Gallo aqui é o homem do Talibã que comete um atentado contra soldados americanos, é preso, escapa, e passa a uma penosa jornada por montanhas geladas na Europa, onde o seu grupo de prisioneiros estava em trânsito até o destino final. Como todo o processo inicial se dá é nada mais que um prólogo e suscita alguma inverossimilhança. A parte que importa é como o afegão tentará sobreviver, numa cultura diversa e inóspita, aparentemente tratada no filme como a Polônia. Ali, ele terá alguma ajuda, como a da jovem surda interpretada por Emmanuelle Seigner.

Na entrevista coletiva, que não contou com Vincent Gallo, o diretor explicou que não pretendeu dar contexto político ao filme e sim levar a tela um fato de crônica que aconteceu próximo de sua casa, no interior do país. Ali houve um incidente creditado a CIA, a agência de inteligência americana, que supostamente atuou na Polônia durante o auge da invasão americana no Iraque e no Afeganistão. "Mas tudo isso para mim era secundário, não quero criticar os Estados Unidos ou algo assim; meu interesse era mostrar como um homem pode ser, de uma hora para outra, jogado numa situação desconhecida e mortal, e isso vale para os dois lados de um conflito", disse Skolimovski. (Orlando Margarido)

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