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No mar há quatro meses, Médicos Sem Fronteiras já salvou 15 mil pessoas no mar Mediterrâneo

Conhecida por levar serviços de saúde e humanitários para populações vítimas de conflitos e em situação de emergência, a ONG Médicos Sem Fronteiras começou em 2015 algo inédito na sua trajetória de mais de 40 anos e premiada até com um Nobel da Paz: resgatar pessoas no mar Mediterrâneo.

 

Desde maio, a filial na Itália da entidade já salvou a vida de mais de 15 mil indivíduos com seus navios. Isso representa quase 10% dos 121 mil solicitantes de refúgio que entraram no país entre 1º de janeiro e 14 de setembro deste ano pelo Canal da Sicília, a rota mais mortal da região, segundo a Organização Internacional para as Migrações (OIM).

 

No entanto, até o fim do ano passado, lançar-se em alto mar não estava nos planos da MSF. Em outubro de 2014, seus representantes pediram ao primeiro-ministro italiano, Matteo Renzi, a manutenção da Mare Nostrum, operação civil e militar criada por Roma para combater a imigração ilegal no Mediterrâneo.

 

Iniciada um ano antes, após um naufrágio deixar 368 vítimas no Canal da Sicília, a força-tarefa salvou a vida de 100.250 pessoas e prendeu 728 traficantes de seres humanos. Na época, a ONG recebera garantias de que a Mare Nostrum continuaria, o que não aconteceu. Em novembro de 2014, ela foi interrompida para dar lugar à Triton, operação coordenada pela União Europeia.

 

"Naquele momento, nós dissemos: 'Se não reagirmos de alguma maneira, seremos exatamente como todos os outros, criticaremos, mas não faremos nada para evitar que as pessoas morram", conta Loris De Filippi, presidente da Médicos Sem Fronteiras na Itália.

 

Contudo, a entidade não tinha ideia dos custos de realizar operações no mar e nem possuía experiência em ações do tipo. Por isso, fez um esforço logístico e enviou funcionários para cursos de socorro marítimo no Reino Unido. No fim de abril, a MSF já reunia as condições para iniciar as navegações, o que efetivamente ocorreu em 1º de maio.

 

Concentradas perto das águas territoriais líbias, as operações no Mediterrâneo acontecem com três navios: MY Phoenix (em colaboração com a ONG Migrant Offshore Aid Station), Bourbon Argos e Dignity I. Recentemente, De Filippi trabalhou no segundo deles durante um mês, coordenando as atividades médicas na embarcação, e pôde constatar uma mudança significativa no padrão migratório no sul da Europa.

 

Há pouco mais de uma década, grande parte dos imigrantes e solicitantes de refúgio que a MSF acolhia na ilha italiana de Lampedusa, um dos principais destinos dessa rota, era de homens entre 20 e 40 anos. Hoje em dia, seus navios já resgatam um número significativo de mulheres, jovens e crianças.

 

"Há alguns dias, em um navio nosso havia 993 pessoas, das quais cerca de 400 eram mulheres e 74 eram menores desacompanhados. São famílias inteiras que tentam escapar, e a única possibilidade de fazê-lo é atravessar primeiro o deserto, ser tratado de maneira desumana na Líbia e depois cruzar o Mediterrâneo", conta o presidente da Médicos sem Fronteiras na Itália.

 

Das pessoas salvas pela organização, cerca de 30% são da Eritreia, país do Chifre da África governado por um presidente, Isaias Afewerki, que está no poder há mais de 20 anos. "Muitíssima gente nos fala sobre a situação gravíssima na Eritreia. Pessoas forçadas a prestar serviço militar obrigatório, qualquer opinião pode ser punida com prisões e torturas", relata De Filippi.

 

A MSF também tira do Mediterrâneo muitos somalis, nigerianos, sírios e malineses. Após serem salvos, todos eles são levados a portos na Itália. Para o médico, chegou a hora de colocar a solidariedade humana no centro da emergência.

 

O mundo tem hoje seu maior número de deslocados internos, refugiados e solicitantes de refúgio desde a Segunda Guerra Mundial, algo em torno de 60 milhões, uma situação que deveria, no mínimo, ligar o alerta nas nações que podem desfrutar de um contexto de paz.

 

"Essas pessoas não estão fugindo de conflitos polarizados, a situação hoje é completamente diferente. São guerras multipolares, muito difíceis de compreender, com muitos atores em campo e que merecem uma atenção particular. Eu espero que, ao menos para a Europa, a chegada dessas pessoas tenha sido um alerta final de que o mundo está mudando", diz De Filippi.

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