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Homem obtém permissão inédita para suicídio assistido na Itália

Pela primeira vez na história da Itália, uma pessoa recebeu autorização do sistema público de saúde para um procedimento de suicídio assistido, prática que ainda não é regulamentada no país.

A decisão foi tomada pela agência sanitária da região de Marcas, no centro da Itália, e diz respeito a um homem de 43 anos, identificado apenas como Mario, que é tetraplégico há mais de uma década devido a um acidente de carro.

A autorização se baseia em uma sentença emitida pela Corte Constitucional em 2019 e que determina que uma pessoa que ajuda outra a se suicidar não é passível de punição, desde que respeitadas algumas condições. “Sinto-me mais leve, me livrei de toda a tensão acumulada nos últimos anos”, declarou Mario, segundo a Associação Luca Coscioni, organização pró-eutanásia que leva o nome de um economista morto de esclerose lateral amiotrófica (ELA) em 2006.

“Estou cansado e quero ser livre para escolher o fim de minha vida. Ninguém pode me dizer que não estou mal o bastante para continuar vivendo nessas condições e me condenar a uma vida de torturas”, acrescentou o paciente.

Mario havia pedido autorização para o suicídio assistido em agosto de 2020, mas, inicialmente, a agência sanitária de Marcas se recusou a verificar se ele respeitava as condições estabelecidas pela Corte Constitucional: ser mantido vivo com apoio de terapias paliativas, sofrer de patologia irreversível que provoque sofrimentos intoleráveis, ser plenamente capaz de tomar suas próprias decisões e não ter intenção de se submeter a outros tratamentos para dor.

O paciente então entrou na Justiça e, em junho passado, o Tribunal de Ancona determinou que as autoridades sanitárias avaliassem se ele cumpria os pré-requisitos para o suicídio assistido. A autorização foi concedida após parecer positivo de um comitê de ética independente formado por médicos e psicólogos.

O próximo passo é definir qual será o medicamento utilizado no procedimento. “Após a sentença da Corte Constitucional, que na prática legalizou o suicídio assistido, nenhum paciente havia conseguido se beneficiar, já que o Serviço Sanitário Nacional se esconde atrás da falta de uma lei que defina os procedimentos”, afirmou o tesoureiro da Associação Luca Coscioni, Marco Cappato.

O ativista é pivô da sentença que abriu caminho para a autorização do suicídio assistido na Itália. Em 2019, Cappato foi denunciado por ajudar o músico Fabiano Antoniani, mais conhecido como DJ Fabo, a passar por eutanásia em uma clínica na Suíça em 2017, mas recorreu à Corte Constitucional, que determinou que a assistência ao suicídio não é equivalente à instigação ao suicídio, crime previsto no Código Penal.

Plebiscito

O direito de determinar o fim da própria vida é um tema recorrente na Itália, onde as decisões políticas ainda sofrem grande influência do Vaticano.

Recentemente, a Associação Luca Coscioni conseguiu coletar mais de 1 milhão de assinaturas para realizar um plebiscito sobre a legalização da eutanásia, prática que difere do suicídio assistido.

Na primeira, o procedimento é realizado diretamente por uma equipe médica, seja aplicando um remédio fatal (eutanásia ativa) ou desligando aparelhos que mantêm o paciente vivo (eutanásia passiva); na segunda, os medicamentos são tomados de forma autônoma pela pessoa.

No entanto, apesar da decisão da Corte Constitucional, a Itália não tem legislações que regulamentem a eutanásia ativa e o suicídio assistido. Por outro lado, a eutanásia passiva é permitida desde o fim de 2017, quando o Parlamento aprovou uma lei que permite ao paciente recusar tratamentos, inclusive os paliativos.

A eutanásia passiva só foi legalizada após o DJ Fabo ter sido obrigado a procurar uma clínica na Suíça para interromper a própria vida.

Outro caso notório no país é o de Eluana Englaro, que viveu em estado vegetativo por 17 anos, também por conta de um desastre automobilístico, e faleceu em 2009, após seus pais terem vencido uma longa batalha na Justiça para interromper sua alimentação.

Na época, o então primeiro-ministro Silvio Berlusconi chegou a fazer um decreto para evitar a morte de Englaro, mas o presidente na ocasião, Giorgio Napolitano, se recusou a sancionar o texto e abriu uma crise institucional na Itália.

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